Proposta, em caráter terminativo no Senado, tem causado mal-estar nas polícias brasileiras.
Por Thaisa Barcelo
A matéria a seguir, sobre o Projeto de Lei 300/2013, em tramitação no Senado, que proíbe o uso de balas de borracha em manifestações públicas e impõe algumas condições à ação da polícia em protestos, foi escrita pela estudante de jornalismo Thaisa Barcelo, que se formará pela Universidade Presbiteriana Mackenzie em Dezembro próximo.
Thaisa, que participa também do Projeto Repórter do Futuro, da Oboré, no “12º Curso de Informação sobre Jornalismo em situações de conflito armado e outras situações de violência”, solicitou a publicação de sua reportagem no site do Instituto Vladimir Herzog. Após avaliação, temos o prazer de publicá-la agora.
Um projeto de lei (PL 300/2013), em tramitação no Senado Federal, regula e limita o uso da força em operações policiais durante manifestações públicas. Entre as medidas propostas, está a proibição da “utilização de armas equipadas com balas de borracha, festim ou afins”. A determinação vale para forças policiais estaduais ou federais, ou Guardas Municipais.
Segundo o autor do projeto, senador Lindbergh Farias (PT-RJ), o objetivo da lei é democratizar e humanizar a atuação das forças policiais no país. “Tenho convicção da importância de se debater este problema. Trata-se de proposta fundamental em virtude da atuação das polícias na repressão às manifestações ocorridas no país a partir de junho de 2013. As Polícias Militares dos Estados reagiram, em diversas ocasiões, cometendo abusos e arbitrariedades que reclamam uma ação para garantir que atuem como instância de proteção e garantia das liberdades públicas democráticas, e não como aparato meramente repressivo”.
Para ele, há um erro ao considerar o conceito “não letal” para armas que podem causar lesões graves e irreparáveis, ou até mesmo levar à morte. Para reforçar isto, o senador se vale, inclusive, de normas de outros países sobre o uso da força policial e pesquisas que apontam a gravidade do uso das balas de borracha.
Lindbergh aponta que “a Espanha é um bom exemplo comparativo, pois saiu de décadas de ditadura para uma democracia, que trouxe às ruas frequentes protestos. Após três mortes de jovens causadas por balas de borracha, sete jovens terem perdido um olho, e trinta manifestantes ficarem com lesões irreversíveis, surgiu um forte movimento que reuniu 70 entidades civis voltadas para o banimento do seu uso. Chama-se Stop Bales de Goma, e seu símbolo é um tapa-olho de pirata. Este movimento conseguiu que o Parlamento Catalão começasse a discutir a abolição do uso desta arma”, disse.
O texto propõe, ainda, que quando alguma tropa estiver em ação, conte com pelo menos um especialista em mediação e negociação para que a força seja o último recurso a ser utilizado. E, mesmo quando for necessário que ela seja exercida, que seja um uso consciente e cauteloso por parte dos agentes de segurança.
A proposta segue em processo de análise pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) em caráter terminativo, ou seja, assim que for aprovada, vai direto para a Câmara dos Deputados, e, em seguida, para a sanção da presidente Dilma Rousseff.
MAL-ESTAR NAS POLÍCIAS
Para o coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo, André Vianna, esta proposta criou um mal-estar nas polícias, principalmente quando propõe, no item três, do artigo terceiro, que caso seja imprescindível o uso da força, que os agentes de segurança façam de forma proporcional à ameaça. “Com essa proposta, o que se espera que as polícias utilizem nas manifestações? Pedras! Eu acho que a gente não precisa voltar na idade da pedra. O que existe é um caminho onde se deve aperfeiçoar as chamadas armas não letais. Deve-se estudar isso profundamente”, expressou.
O coronel defende que já existe um modelo de uso progressivo da força, seguido pelas polícias, adotado em 1990 – por ocasião do 8º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes – que faz “com que o policial perceba que a força aplicada seja proporcional ao objetivo que se deseja alcançar”. De acordo com o modelo, numa escala de 0 a 5, as armas subletais se encontram no nível quatro, contando que em primeira instância está a presença policial, seguida pelo controle verbal, e pelo controle por contato.
Na visão do coronel José Vicente da Silva – que comandou a Polícia Militar do estado de São Paulo e foi Secretário Nacional de Segurança durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso – essa proposta é uma ingenuidade do senador Lindbergh Farias, que deixa de ver o problema como um todo e tem uma visão preconceituosa dos policiais. “Quando um projeto como esse propõe não usar balas de borracha, ele está supondo que o policial é obrigado a aguentar pedras, rojões, espingardas com balas de chumbo, coquetel-motolov, porque o que ele poderia fazer numa situação como essa pra se defender?”.
Na sua opinião, caso a proposta seja aprovada, será preciso aumentar o poder de letalidade dos policiais, pois “a bala de borracha tem uma função muito clara. Não é pra ser atirada a esmo. É pra ser empregada quando há indivíduos no meio da manifestação que estão cometendo crimes de depredação, por exemplo, ou, então, agredindo os policiais que estão trabalhando no local. Então, a única alternativa que a polícia teria numa situação como essa é de usar bala de chumbo letal”, reforçou o coronel José Vicente.
BALAS DE BORRACHA: AMEAÇA TAMBÉM PARA JORNALISTAS
Em junho deste ano, diversas pessoas foram às ruas, em diversas cidades do país, protestar contra o aumento das tarifas do transporte público. Em São Paulo, já é de conhecimento, o fotógrafo Sérgio Silva, 31 anos, foi atingido no olho esquerdo por uma bala de borracha enquanto trabalhava no local, e o impacto foi tão forte que o levou à cegueira.
No dia em que foi atingido, o jornalista Daniel Teixeira também cobria as manifestações para o jornal O Estado de S.Paulo. Ele conta que, ele e mais um jornalista estavam recuados na Rua da Consolação, quando viram uma mulher chorando na calçada e foram socorrê-la, enquanto a barreira de policiais descia a rua. “Me identifiquei como imprensa, mostramos a câmera, mas fui hostilizado. Eles apontaram em nossa direção e atiraram uma bomba na gente. Senti como se fosse ‘vamos acabar com isso logo’”.
Para Daniel, falta inteligência da polícia ao lidar com estas situações. “É mais ou menos como chutar uma colmeia e esperar que as abelhas fiquem quietas. Quando acompanhei a manifestação da última segunda-feira (7), em frente à Secretaria da Educação, na Praça da República, percebi que na hora que a coisa explode dá impressão que os policias estão loucos pra ir pra cima. Acredito que falta preparo dos PMs em resistir às provocações dos manifestantes também”, afirmou.
PROPOSTA PARALELA
Ainda no mesmo período do projeto 300/2013, o Conselho de Defesa da
Pessoa Humana – órgão ligado à Secretaria dos Direitos Humanos – editou, em 18 de junho, duas resoluções a respeito do mesmo assunto.
A primeira propõe a criação de um grupo de trabalho sobre a regulamentação do uso da força e armamentos de baixa letalidade, composto pela Secretaria de Direitos Humanos; pelos Ministérios da Justiça, Defesa e Saúde; o Departamento de Polícia; e por órgãos e entidades civis.
Além desta comissão, também podem ser convocados órgãos do setor público e privado que contribuam para a elaboração e estudo, e dialoguem sobre o impacto na vítima alvejada por tais equipamentos.
A segunda determina que sejam feitas recomendações às instituições policiais, com base em normas, artigos e princípios já publicados anteriormente, além da elaboração de programas de treinamento sobre o uso da força pública.
Este trabalho tem um prazo de 180 dias para ser concluído, e, após, 90 dias para elaboração de um relatório.