01/02/2021

Vilma Amaro

Compartilhar:

A pergunta feita foi: em que circunstâncias você assinou o documento? Por intermédio de quem o recebeu, onde trabalhava, que idade tinha etc.

Vilma Amaro

Sou jornalista, agora aposentada. Nasci em Santos em 15 de setembro de 1947.

Em 1975 eu tinha chegado da Venezuela, onde estive exilada, após o golpe no Chile. Nesse país vivi por cerca de três anos, até o golpe que destruiu os ideais de justiça social e democracia do governo socialista do grande herói latino-americano Salvador Allende. Fui então para a Venezuela, onde sobrevivia de frilas que fazia para a imprensa brasileira e agências internacionais.

Eu tinha sido presa no Congresso da UNE [1968] em Ibiúna, SP, como representante dos estudantes da Faculdade de Jornalismo Cásper Líbero, que nessa época pertencia à PUC-SP. Fui também, dirigente do DCE livre da PUC. Meu nome consta hoje no Memorial colocado em uma praça da cidade de Ibiúna.

Além de estudar eu já trabalhava no jornal Última Hora, criado pelo grande jornalista e visionário Samuel Wainer. 

Posteriormente, fiquei presa no Dops, em virtude de uma ação dos agentes desse órgão na repressão a um congresso estudantil. Na realidade, éramos sequestrados, não havia ordem judicial de prisão. Eu me considero uma sobrevivente, mas até hoje ficaram as sequelas e a tristeza por companheiros mortos – a maioria de  forma cruel – pela ditadura.

Voltei da Venezuela – sem esperar anistia, me arriscando – pois as minhas condições de vida lá eram muito difíceis, sem apoio de organização nenhuma, já que todas estavam sofrendo as violentas repressões da ditadura civil-militar.
Na época eu tinha 28 anos, busquei trabalho e consegui emprego no Jornal da Tarde como redatora da editoria de Internacional.

Estávamos em meio ao expediente – nosso chefe era o notável jornalista Fernando Mitre. Quando soubemos da morte de Vladimir Herzog, muito querido e conhecido da categoria, levamos um choque. Toda a redação parou para demonstrar sua consternação e comentar a versão que sabíamos, claro, inverídica sobre o suicídio nos porões da ditadura. A foto de Vladimir “enforcado” era uma afronta. O choque era ainda maior ao nos ser informado que ele tinha se apresentado ao DOI-CODI espontaneamente. Acredito que nunca tivesse imaginado até onde iria a barbárie de uma ditadura. Fechar a edição do jornal em uma situação como essa foi um esforço doloroso de todos os jornalistas. 

Toda a redação do Jornal da Tarde demonstrava sua indignação e foi o tema por semanas e meses. A mobilização alastrou-se por outros órgãos de comunicação e o Sindicato dos Jornalistas no Estado de São Paulo, então comandado por Audálio Dantas, teve um papel fundamental de denúncia e ações para que a verdade aparecesse. Vladimir Herzog – era consenso – tinha sido assassinado pelo Estado brasileiro, que tinha o dever se proteger cidadãos sob sua custódia. Mas em uma ditadura direitos e leis não existem.

Após o ato de covardia da repressão iniciou-se, imediatamente, uma mobilização para saber o que, de fato, tinha acontecido e pedir uma investigação sobre o verdadeiro motivo da morte de Vladimir.
Admito, ainda, que muitos tinham medo das consequências desse pedido. Mas a indignação venceu o medo. Fomos à luta. Surgiu a ideia de uma “vaquinha” para pagar um anúncio no jornal O Estado de S. Paulo pedindo essa investigação.

Assim foi feito, como se sabe.

Mas qual não foi minha surpresa quando, ao pesquisar as informações que constam sobre a minha atividade estudantil e profissional no Arquivo do Estado, muitos anos depois, ali havia uma anotação de que eu tinha assinado o pedido de investigação sobre a morte de Vladimir Herzog. Uma evidência de que as ações de cidadãos que lutavam pela democracia eram monitoradas por muitos anos, após suas prisões. Pedir uma investigação, por acaso, era crime? Não tínhamos, sequer, esse direito? E o nosso nome, por esse fato, ia parar no Dops?

A missa ecumênica na Catedral da Sé marcou o protesto da população contra esse crime. Acredito que foi o momento em que a sociedade civil tomou conhecimento do que acontecia nos porões da repressão contra pessoas que lutavam por democracia e um mundo melhor para nosso país.

O resto da história todos sabem, mas fica o alerta para os dias de hoje. Permanecer vigilante e lutar sempre pelos ideais democráticos. É uma forma concreta de honrar a memória de nosso mártir do jornalismo brasileiro, Vladimir Herzog. Como Libero Badaró, também assassinado em defesa da liberdade e de uma imprensa livre, serve de guia a nossos propósitos de justiça e de uma vida melhor para o povo brasileiro.

* Vilma Amaro é diretora de base da Regional ABC do Sindicato dos Jornalistas no Estado de São Paulo, vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-SP e diretora de comunicação da ACAT –Ação dos Cristãos para Abolição da Tortura.

1/2/2021.

Compartilhar:

Pular para o conteúdo