As Arcadas da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo, a primeira do Brasil, que produziu notáveis escritores, poetas, historiadores, filósofos, economistas, sociólogos, artistas e atores, foi o cenário de constrangedora cena no último dia 31 de Março. Uma pessoa que lá leciona, chamada professor doutor Eduardo Lobo Botelho Gualazzi, foi impedida por estudantes de concluir a leitura de um pronunciamento de sua autoria intitulado “Continência a 1964”, em que tecia rasgados elogios à ditadura instalada naquele ano no Brasil.
Um parágrafo desse texto é suficiente para revelar o que pensa e, pelo estilo de redação e fala, como pensa essa pessoa que dá aulas de Direito, em pleno 2014, na escola onde se notabilizou Castro Alves, que, em suas poesias – como “Navio Negreiro” – denunciou os graves problemas sociais do seu tempo e bradou pela liberdade.
Transcrevemos aqui esse parágrafo, preservando as palavras sublinhadas, as letras maiúsculas e os pontos de exclamação: “No Brasil de 2014 ainda subsiste uma minoria de viciados na Peste Rubra, o esquerdismo totalitário que foi destruído em 1964. Trata-se de minoria agora inofensiva, porque neutralizada pelos entraves supra referidos, pela infraestrutura e pela superestrutura, legadas pela Revolução de 1964, e sobretudo pelo General mais poderoso do Mundo – o General TEMPO –, que conduzirá tal minoria ao cemitério, a curto, médio e longo prazo! O Povo Brasileiro já começou a perceber o estelionato eleitoral da esquerdalha cor-de-rosa/vermelha! A entropia esquerdóide, no Brasil atual, é lentíssima, mas irreversível! Basta de menosprezo aos direitos adquiridos de pessoas físicas e jurídicas, públicas e privadas, inclusive de servidores públicos (civis e militares), que edificaram o Brasil, em vidas honestas de trabalho e sacrifício, ao longo de décadas, com dedicação de suas vidas e Famílias à Pátria brasileira! A PESTE RUBRA PASSARÁ, ASSIM COMO PASSOU A FEBRE NEGRA DA IDADE MÉDIA!”
Em contraponto a esse tipo de pensamento e de texto, sugerimos que todos recorram à “Carta aos Brasileiros” (http://www.goffredotellesjr.adv.br/site/pagina.php?id_pg=30), lida pelo professor Goffredo Silva Telles, um dos mais brilhantes nomes que já lecionaram na São Francisco, na noite de 8 de Agosto de 1977, o período mais violento da ditadura, no Pátio da Faculdade. Comemoravam-se nessa data 150 anos da fundação dos cursos jurídicos no Brasil e uma multidão de estudantes, personalidades e jornalistas testemunhou a apresentação desse pronunciamento que constituiu marco fundamental para a abertura democrática.
Afirmou o mestre Goffredo da Silva Telles: “Um Estado será tanto mais evoluído quanto mais a ordem reinante consagre e garanta o direito dos cidadãos de serem regidos por uma Constituição soberana, elaborada livremente pelos Representantes do Povo, numa Assembléia Nacional Constituinte; o direito de não ver ninguém jamais submetido a disposições de atos legislativos do Poder Executivo, contrários aos preceitos e ao espírito dessa Constituição; o direito de ter um Governo em que o Poder Legislativo e o Poder Judiciário possam cumprir sua missão com independência, sem medo de represálias e castigos do Poder Executivo; o direito de ter um Poder Executivo limitado pelas normas da Constituição soberana, elaborada pela Assembléia Nacional Constituinte; o direito de escolher, em pleitos democráticos, seus governantes e legisladores; o direito de ser eleito governante ou legislador, e o de ocupar cargos na administração pública; o direito de se fazer ouvir pelos Poderes Públicos, e de introduzir seu pensamento nas decisões do Governo; o direito à liberdade justa, que é o direito de fazer ou de não fazer o que a lei não proíbe; o direito à igualdade perante a lei que é o direito de cada um de receber o que a cada um pertence; o direito à intimidade e à inviolabilidade do domicílio; o direito à propriedade e o de conservá-la; o direito de organizar livremente sindicatos de trabalhadores, para que estes possam lutar em defesa de seus interesses; o direito à presunção de inocência, dos que não forem declarados culpados, em processo regular; o direito de imediata e ampla defesa dos que forem acusados de ter praticado ato ilícito; o direito de não ser preso, fora dos casos previstos em lei; o direito de não ser mantido preso, em regime de incomunicabilidade, fora dos casos da lei; o direito de não ser condenado a nenhuma pena que a lei não haja cominado antes do delito; o direito de nunca ser submetido à tortura, nem a tratamento desumano ou degradante; o direito de pedir a manifestação do Poder Judiciário, sempre que houver interesse legítimo de alguém; o direito irrestrito de impetrar habeas corpus; o direito de ter Juízes e Tribunais independentes, com prerrogativas que os tornem refratários a injunções de qualquer ordem; o direito de ter uma imprensa livre; o direito de fruir das obras de arte e cultura, sem cortes ou restrições; o direito de exprimir o pensamento, sem qualquer censura, ressalvadas as penas legalmente previstas, para os crimes de calúnia, difamação e injúria; o direito de resposta; o direito de reunião e associação.
“Tais direitos são valores soberanos. São ideais que inspiram as ordenações jurídicas das nações verdadeiramente civilizadas. São princípios informadores do Estado de Direito.
“Fiquemos apenas com o essencial.
“O que queremos é ordem. Somos contrários a qualquer tipo de subversão. Mas a ordem que queremos é a ordem do Estado de Direito.
“A consciência jurídica do Brasil quer uma cousa só: o Estado de Direito, já.”
Entre o ponto e o contraponto acima ilustrados, ficamos com Goffredo Silva Telles, mestre entre os mestres das velhas Arcadas, cujo nome hoje honra o edifício da Praça da Sé, 385, ao lado da Catedral, sede da OAB-Ordem dos Advogados do Brasil – São Paulo.
Instituto Vladimir Herzog