10/09/2015

Fotógrafo reconstrói memórias de pernambucanos afetados pela ditadura militar

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Por Larissa Lins, do Diário de Pernambuco

Italiano radicado no estado reconstrói, com licenças poéticas, memórias de histórias amputadas pela ditadura militar em Pernambuco: projeto vai virar livro e exposição

Analfabeto aos 20 e poucos anos, Gregório trabalhava como jornaleiro na década de 1920, quando começou a se interessar por política – graças a colegas que liam matérias “engajadas” nos jornais, durante as entregas. Após o golpe militar de 1964, Gregório “transformou-se” na sigla Pl4311, número de registro conferido pelos militares, e virou símbolo da resistência pernambucana contra o regime.

Cinquenta anos após a detenção – quando foi cruelmente submetido a sessões de tortura e, por fim, arrastado pelas ruas do bairro de Casa Forte, na Zona Norte do Recife – a tragédia empresta a sigla de identificação Pl4311 ao projeto do fotógrafo Diego Di Niglio, italiano radicado em Pernambuco. Autor do catálogo Instantâneas da África – produzido em comunidades quilombolas do estado e lançado no ano passado – ele está debruçado, agora, sobre memórias das vítimas locais da ditadura.

Formado em ciências políticas em Milão, ele planeja, para o ano que vem, exposição e fotolivro com cerca de 100 imagens – “150, talvez” – produzidas a partir da história de pernambucanos afetados pelo golpe militar na década de 1960. Tomou como ponto de partida o livro Marcas da memória: história oral da anistia no Brasil, organizado pela Comissão da Anistia do Ministério da Justiça (resultado de mais de 100 entrevistas com ex-presos e perseguidos políticos da época) e selecionou cerca de 30 personagens.

Além da mostra, Diego vislumbra a gravação do documentário Marcas da memória – História oral da anistia em Pernambuco aos 50 anos do golpe militar de 1964, contemplado no edital deste ano do Funcultura, com o mesmo recorte temático. “Tento fugir do fotojornalismo engessado, para mostrar histórias inacabadas e, às vezes, dar novos desfechos a elas”, explica.

Vítimas da ditadura militar em Pernambuco se tornam personagens do projeto do fotógrafo italiano (Foto: Diego Di Niglio)

Com colaboração do professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Antônio Montenegro e do pesquisador e historiador Pablo Porfírio, Diego di Niglio coleta memórias turvas, visita mães que nunca reencontraram os filhos e filhos que não chegaram a conviver com os pais. Não é tarefa fácil. “Quero mostrar as pessoas, a história do ponto de vista delas, de forma criativa, autoral, emocional”, define.

Através de fotografia documental, registra objetos antigos – jamais recuperados pelos detidos durante o regime – e reconstrói cenas vividas ou imaginadas no passado. O retorno do líder estudantil Fernando Santa Cruz ao lar, por exemplo (algo que nunca ocorreu), é transformado em autorretrato – o contorno do próprio Diego cruzando a porta entreaberta, com relógio sobre a mesa. “Ele foi levado quando o filho tinha pouco mais de um ano, a idade que o meu filho tem agora. É muito impactante”, conta o italiano.

Nas próximas semanas, Diego lança blog com os bastidores da pesquisa, que deve ser finalizada no próximo semestre. O monumento Tortura Nunca Mais, fotografado por ele no Centro do Recife, refletido em espelho, ilustrará o site. “Não poderia ser mais simbólico.”

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