Por Carlos Castilho, no Observatório da Imprensa, em 19/06/2015
A combinação de mobilidade no compartilhamento de noticias e da curadoria de informações está criando um novo padrão de agenda settingna imprensa.
Duas informações divulgadas nas últimas semanas indicam uma alteração radical no contexto jornalístico atual. Primeiro foi o informe do Reuters Institute for the Study of Journalism (ver, neste Observatório, “Estudo mapeia hábitos de consumo de mídia”) mostrando que o acelerado crescimento da circulação da notícia por meio do compartilhamento entre usuários de telefones inteligentes (smartphones). A outra informação é a de que a empresa Apple está contratando curadores de notícias para um serviço de recomendações informativas para os usuários de iPhones e iPads.
O informe do Reuters Institute e o anúncio da Apple mostram que a imprensa está perdendo, mais rápido do que se imaginava, o poder de determinar a agenda de interesses do público (agenda setting), e que a informação jornalística ocupa cada vez mais espaço na estratégia das três gigantes (Google, Facebook e Apple) de Sillicon Valley, a meca da internet mundial.
A combinação de compartilhamento móvel com curadoria de informações sinaliza a consolidação de um novo padrão de agenda setting onde a uniformidade temática, típica da imprensa convencional, passa a ser substituída gradualmente por uma agenda segmentada e diversificada. A nova agenda de interesses tende a valorizar questões locais e comunitárias em prejuízo dos temas globais. Ela tem características caórdicas, um jargão usado pelos cientistas para definir um sistema que combina elementos de situações caóticas e de estruturas organizadas.
A nova agenda passa a ser estabelecida por um conjunto de curadores de informações, trabalhando tanto individualmente como em grupos ou empresas. Projetos como Flipboard ou Scoop são uma amostra do que provavelmente será o Apple News, cujos detalhes ainda são pouco conhecidos, salvo que dará mais relevância ao trabalho de profissionais do que à tecnologia. Deve ser uma espécie de antípoda do Google News, que prioriza o uso de algoritmos para selecionar notícias.
O Flipboard é um software que permite que qualquer pessoa pratique a curadoria e crie uma revista digital contendo recomendações de informações e suas respectivas fontes. O Scoop tem o mesmo objetivo, só que os curadores publicam blogs que ficam hospedados dentro de uma grande comunidade virtual formada de subcomunidades aglutinadas em torno de cada blog. O Flipboard foi lançada em 2010 como um aplicativo exclusivo dos iPhones e iPads. O Scoop surgiu em 2011 com uso liberado para todos os sistemas operacionais móveis.
O Scoop tem hoje mais de três mil blogs produzidos por curadores profissionais e amadores, que atraíram cerca de 75 milhões de visitantesdesde a sua criação. O Flipboard somou 90 milhões de visitantes desde o seu lançamento e tem 3 milhões de usuários regulares, que produzem mais de 100 mil revistas digitais pessoais com recomendações de reportagens, notícias, vídeos, áudios, livros e artigos.
O acelerado crescimento da curadoria de informações é uma consequência direta da diversificação dos interesses dos usuários da internet, principalmente os mais jovens. Outro fator surpreendente é que a curadoria algorítmica, muito popular no final da primeira década do século 21, começou a perder terreno para a participação humana no processo de seleção e contextualização dados a partir de 2014. A Apple, por exemplo, introduziu, há um ano, a curadoria humana nos seus sites com recomendações musicais e de vídeos.
A valorização do papel dos curadores cria um dilema e uma oportunidade para os jornalistas. Um dilema porque o exercício da curadoria tem um forte componente de interatividade e engajamento dos profissionais com os seus leitores e usuários, o que contraria o tradicional distanciamento entre jornalistas e seu público. Uma oportunidade porque vários jornais e revistas começaram a explorar o filão da curadoria — como foi o caso do The New York Times, com seu serviço de curadoria de noticias NYTNow, que usa repórteres e editores como mão de obra especializada.
O exercício da curadoria por jornalistas ainda é um tema que desperta muita discussão e paixões. O público mais jovem tem demonstrado uma clara tendência em favor de recomendações diversificadas em vez da pauta restrita da maioria dos jornais e revistas. Mas os profissionais ainda não têm claro como a nova função se enquadra nos parâmetros estabelecidos pelos Manuais de Redação, herdados da era analógica. As maiores dúvidas se concentram na questão da isenção ao fazer recomendações de notícias e no relacionamento entre profissionais e a comunidade de usuários da curadoria jornalística.
O crescimento acelerado da mobilidade informativa por meio dos smartphones e a preferência do público formado por jovens nativos da era digital pelo compartilhamento e recomendações noticiosas mostram que a curadoria está deixando de ser um nicho secundário das prioridades jornalísticas.