Há 50 anos, em 25 de outubro de 1975, foi assassinado o jornalista e cineasta Vladimir Herzog. Vítima da ditadura, tornou-se uma figura fundamental para a construção da nossa democracia. Sua vida e sua trajetória profissional, inspirações para o Instituto Vladimir Herzog (IVH), foram marcadas pela permanente preocupação com os direitos humanos.
Com o marco desta data, relembramos sua história e os desdobramentos do caso, e listamos ao final as ações em curso e as que serão realizadas em decorrência dessa efeméride.
UM CATALISADOR DA LUTA
PELA REDEMOCRATIZAÇÃO
Vladimir Herzog, o Vlado, foi torturado e morto no antigo prédio do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) no bairro do Paraíso, em São Paulo. Então diretor de jornalismo da TV Cultura e responsável pelo telejornal “Hora da Notícia”, o jornalista foi procurado na noite do dia 24 de outubro em seu local de trabalho por dois agentes que pretendiam levá-lo para “prestar depoimento” sobre suas supostas ligações com o Partido Comunista Brasileiro. Após uma tensa negociação, Vlado se apresentou espontaneamente na manhã seguinte e não saiu com vida.
Herzog era judeu e o rabino Henry Sobel não seguiu a tradição reservada aos casos de suicídio no enterro do jornalista; e sim o rito completo, de forma tradicional. Essa atitude deixou ainda mais claro que a morte de Herzog não havia sido um suicídio, como diziam os laudos emitidos pelo DOI-CODI; mas sim um assassinato político.
O HISTÓRICO ATO ECUMÊNICO
Logo após a morte, um movimento se constituiu. No dia 27 de outubro de 1975, algumas horas após o enterro de Vlado no Cemitério Israelita do Butantã, o auditório do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP) reuniu jornalistas, artistas, parlamentares, estudantes e sindicalistas de diferentes categorias.
Desse encontro, foram aprovadas duas propostas: batizar o espaço onde acontecia a reunião em homenagem a Vlado e fazer o culto ecumênico em sua memória.
Realizada no dia 31 de outubro de 1975, a missa de 7º dia do jornalista contou com a presença de mais de 8 mil pessoas, que compareceram à Catedral da Sé. O ato ecumênico foi realizado graças a D. Paulo Evaristo Arns, o Rabino Henry Sobel, o reverendo Jaime Nelson Wright e Audálio Dantas, presidente do SJSP na época. Audálio foi peça chave na articulação do ato e denúncia do assassinato brutal de seu colega de profissão. O evento é considerado um marco na luta pela democracia e na derrocada do regime ditatorial.
MANIFESTO “EM NOME DA VERDADE”
Em 1976 o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo recebeu e encaminhou à 1ª Auditoria Militar de São Paulo, por ofício, o “Manifesto ‘Em nome da Verdade’”, um abaixo-assinado no qual os jornalistas apontam fatos não esclarecidos em relação às circunstâncias da morte de Vladimir Herzog.
A manifestação dos jornalistas foi entregue à Justiça com 467 assinaturas e, posteriormente, recebeu novas adesões em outras capitais, chegando a 1.004 nomes. As manifestações póstumas à morte de Vlado contribuíram para o enfraquecimento da ditadura e retomada da democracia.

Nos anos seguintes, houve muita luta e resistência para que a morte de Herzog fosse reconhecida como decorrência da sessão de tortura a que ele foi submetido. A verdadeira versão dos fatos só começou a ser devidamente comprovada, de maneira oficial, com a criação da Comissão Nacional da Verdade e, finalmente, com a retificação do atestado de óbito, em março de 2013, que, ao invés do suicídio, aponta como causas da morte do jornalista lesões e maus-tratos.
O CASO HERZOG
Em 1978, a Justiça brasileira, em sentença proferida pelo juiz Márcio José de Moraes, condenou a União pela prisão ilegal, tortura e morte de Vladimir Herzog. Em 2018, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) publicou a condenação do Estado brasileiro pela falta de investigação, julgamento e punição aos responsáveis pela tortura e assassinato do jornalista. O tribunal internacional também considerou o Estado como responsável pela violação ao direito à verdade e à integridade pessoal, em prejuízo dos familiares de Herzog.

A sentença determinou que os fatos ocorridos contra Vladimir Herzog devem ser considerados um crime de lesa-humanidade, conforme definido pelo direito internacional. Ao ser classificado como um crime contra a humanidade, a Corte concluiu que o Estado “não podia invocar nem a existência da figura da prescrição, nem a aplicação do princípio ‘ne bis in idem’*, da Lei de Anistia ou de qualquer outra disposição análoga, ou excludente similar de responsabilidade, para isentar-se de seu dever de investigar e punir os responsáveis”.
Por meio da sentença, a Corte ordenou ao Estado brasileiro que reiniciasse a investigação e o processo penal correspondente àqueles fatos, para identificar, processar e responsabilizar os autores da tortura e do assassinato de Herzog. Além disso, o Brasil deveria adotar as medidas mais idôneas conforme as suas instituições para que se reconheça o caráter imprescritível dos crimes contra a humanidade e crimes internacionais, assim como arcar com os danos materiais, imateriais e custas judiciais e advocatícias. A sentença foi publicada em 2023, mas ainda faltam cumprimentos por parte do Estado.
*Princípio que proíbe que uma pessoa seja processada, julgada e condenada mais de uma vez pela mesma conduta. Fonte: Jusbrasil.
RETIFICAÇÃO DA CERTIDÃO DE ÓBITO
O juiz Márcio Martins Bonilha Filho, da 2ª Vara de Registros Públicos do Tribunal de Justiça de São Paulo, determinou em 24 de setembro de 2012 a retificação do atestado de óbito do jornalista Vladimir Herzog, para fazer constar que sua “morte decorreu de lesões e maus-tratos sofridos em dependência do II Exército – SP (DOI-Codi)”. A decisão atendeu a um expediente de iniciativa da Comissão Nacional da Verdade, criada para esclarecer as violações de direitos humanos no período da ditadura militar.
Em março de 2013 os familiares do jornalista receberam o novo atestado de óbito no Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP). No atestado anterior, a versão para o óbito era de “enforcamento por asfixia mecânica”.

15 ANOS DO IVH E O LEGADO DE VLADO
O Instituto Vladimir Herzog nasceu para promover a vida de Vladimir Herzog e defender os direitos humanos. Criado pela família Herzog e amigos em 2009, sob a inspiração da corajosa luta de Clarice Herzog, o IVH é parte de um esforço coletivo e tem como missão trabalhar pela defesa da democracia, dos direitos humanos e da liberdade de expressão.
Ao longo dos últimos 15 anos, o IVH tornou-se uma referência na sociedade civil, ampliando sua atuação graças ao trabalho de inúmeras pessoas comprometidas com a missão de manter viva a luta por mudanças sociais.
Em 2024, o IVH realizou a exposição “Sobre Nós”, em celebração aos 15 anos de atuação do Instituto. A mostra, que ocupou a Cinemateca Brasileira com um panorama histórico da resistência democrática por meio de documentos históricos e expressões culturais, contou a trajetória da luta por justiça e democracia no país, de 1964 aos dias atuais.

A memória de Vlado também está viva em diversos espaços espalhados pelo Brasil, como ruas, praças, escolas e centros acadêmicos. E ainda através do Prêmio Vladimir Herzog, um dos mais tradicionais da imprensa, que desde 1979 reconhece e estimula jornalistas e artistas do traço a tratarem do tema da Anistia e dos Direitos Humanos.
CLARICE HERZOG, UMA HEROÍNA
Nascida Clarice Ribeiro Chaves, herdou de Vladimir o sobrenome Herzog. Conheceu Vlado quando cursava Ciências Sociais na USP. Nos primeiros anos da ditadura, casaram-se e juntos se exilaram em Londres, onde nasceram seus filhos Ivo e André Herzog.
Apesar da ditadura, a família retornou ao Brasil em 1968 com a esperança de que poderiam viver dias tranquilos em meio aos atos repressivos que ocorriam na época.
Após o assassinato de Vlado, Clarice iniciou sua luta por justiça e responsabilização judicial dos algozes de seu companheiro. Em 1978, ela denunciou e conseguiu o reconhecimento da responsabilidade do Estado sobre a morte de Vlado, numa vitória considerada histórica por diversos especialistas do período.
Clarice Herzog é reconhecida como uma heroína, por sua determinação em buscar a responsabilização do Estado pela morte do marido, desde o primeiro momento após o assassinato. Em 1979, por corajosa decisão do juiz Márcio José de Morais em processo movido pela família Herzog, a Justiça brasileira condenou a União pelo assassinato de Vlado. E em 1996, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos reconheceu oficialmente que Vlado fora assassinado.
DECISÃO HISTÓRICA EM FAVOR DE CLARICE
No início de 2025, após 50 anos de luta por justiça, a 2ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal deferiu reparação econômica em prestação mensal para Clarice Herzog pela perseguição política de Vladimir Herzog.

A medida foi deferida no escopo da ação que busca a declaração de anistiado político post mortem de Vladimir Herzog, cumulada com pedido de reparação econômica em favor de Clarice, nos termos da Lei de Anistia.
Segundo os advogados Beatriz Cruz e Paulo Abrão, integrantes do escritório Cruz e Temperani Advogados Associados, autor da ação, ainda há um longo caminho até a decisão de mérito na ação do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1). Apesar disso, a concessão da medida liminar é um importante marco que garante o imediato pagamento da prestação mensal devida à viúva.
VLADO RECEBE ANISTIA APÓS 50 ANOS
Vlado foi anistiado pela Ministra dos Direitos Humanos e Cidadania, Macaé Evaristo, por meio da Portaria nº 525, publicada dia 18 de março no Diário Oficial da União, junto à formalização pública da indenização de Clarice Herzog.
A Comissão de Anistia é o órgão responsável por analisar os requerimentos de perdão a quem foi perseguido pelo Estado durante a Ditadura Militar. Com a decisão, Vladimir Herzog foi oficialmente reconhecido como vítima do regime, 50 anos após seu assassinato.
A decisão coincide com a anistia de Clarice Herzog, em 2024 e a decisão judicial que determinou uma indenização em reconhecimento à perseguição política sofrida por seu marido.
CAMPANHA 50 ANOS POR VLADO
Com o marco dos 50 anos da morte de Vlado, diversas organizações já mobilizaram ações. Outras iniciativas estão previstas para ocorrer ao longo de 2025. Conheça algumas:
Ano Vladimir Herzog na ABI
Entre elas, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) instituiu o ano de 2025 como o ano Vladimir Herzog e exibirá um banner em seu site, além de produzir diversos conteúdos sobre a história de Vlado ao longo do ano.
Homenagem na UFRGS – Fabico
Outra iniciativa independente aconteceu em Porto Alegre. A Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (Fabico) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) prestou homenagem ao jornalista com o evento “Vladimir Herzog 50 anos — Fabico Presente!” no dia 8 de abril, data escolhida pela proximidade ao Dia do Jornalista. Na ocasião, foi reinaugurada uma placa removida por apoiadores da ditadura militar em 1975.

O evento contou com a presença de Ivo Herzog, da jornalista Marcia Turcato, autora do livro “Reportagem: da ditadura à pandemia” e uma das articuladoras do evento.
A ideia da homenagem da Fabico surgiu após Turcato participar do roteiro “Caminhos da Ditadura em Porto Alegre”. Sendo ex-aluna da UFRGS e participante da primeira homenagem ao jornalista Vladimir Herzog em 1975, se uniu a alguns colegas para concretizar uma reparação histórica.
Como explica Marcia Turcato “essa mobilização não pode parar. Ela não termina no dia do evento, ela prossegue”. O trabalho visa fortalecer o movimento coletivo de preservação da memória e de luta por um jornalismo ético e comprometido com a democracia.
Logo especial por Kiko Farkas
A pedido do Instituto Vladimir Herzog, uma logo, especialmente produzida para marcar os 50 anos do assassinato, foi desenhada pelo designer gráfico *Kiko Farkas.

Dentre as variações, a tipografia traz, na frase “50 anos por Vlado”, o rosto do patrono do IVH da maneira como buscamos relembrá-lo sempre: com o sorriso e o olhar que transparecem sua sensibilidade diante de um mundo com tanto ainda a ser transformado.
A logo será aplicada aos materiais desenvolvidos pelo Instituto para relembrarmos essas cinco décadas de resistência. O conteúdo gráfico, bem como a orientação de aplicação, estão disponíveis para qualquer organização, entidade ou pessoa que desejar utilizar em seus materiais, sites, plataformas, etc.
Abaixo estão os links de acesso para realizar o download:
*Kiko Farkas é também autor da obra “Verdade”, uma arte que referencia a luta de Clarice Herzog em sua busca incessante por justiça para Vlado.
Um menino chamado Vlado
A Mais Diferenças lançou, oficialmente, o livro “Um menino chamado Vlado”, de Márcia Camargos, em múltiplos formatos acessíveis n’a Feira do Livro do Pacaembu, em São Paulo.
Produzida com fomento da Lei Estadual Paulo Gustavo, por meio do projeto Páginas Abertas, a obra que conta com sensibilidade a história de infância e formação de Vlado ganhou versão para todas as pessoas, com diferentes recursos de acessibilidade, com disponibilidade gratuita na Biblioteca MD, a plataforma de livros acessíveis produzidos pela Mais Diferenças.
O evento de lançamento contou com a presença da equipe de consultores com deficiência para produção de livros acessíveis da MD, com mediação de Carla Mauch, Guacyara Labonia Guerreiro e Ana Rosa Bordin Rabelo, coordenadoras da organização, além de Rogério Sotilli, diretor executivo do Instituto Vladimir Herzog.
Repercussão na imprensa: Livro que conta a história de Vladimir Herzog é lançado com diversos formatos acessíveis.
Homenagem no Sindicato dos
Jornalistas de São Paulo
Em 27 de junho, entidades promoveram o ato “Em Nome da Verdade: 50 anos por Vlado”. O nome do evento faz referência ao manifesto assinado por mais de mil jornalistas e publicado no jornal O Estado de S. Paulo para denunciar o assassinato de Herzog, ocorrido em 25 de outubro de 1975 por agentes da ditadura.
O ato contou com a participação de Giuliano Galli, da área de Jornalismo e Liberdade de Expressão, e foi convocado pela ABI, Abraji, FENAJ, Instituto Vladimir Herzog, Repórteres Sem Fronteiras e Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo.
Confira aqui alguns dos registros do ato.
Praça Memorial Vladimir Herzog
celebra aniversário de Vlado e Clarice
Em 29 de junho, aconteceu o Arraiá da Praça Memorial Vladimir Herzog, com mais um evento mensal “Todo Mundo Tem Que Falar, Cantar e Comer”. O encontro contou com música e comida e uma ação dedicada à literatura. A programação também marcou o aniversário de Vladimir e Clarice Herzog, nascidos em 27 de junho e 1 de julho, respectivamente.
Confira a cobertura do encontro:Praça Vladimir Herzog celebra São João e aniversário de Vlado ao som de música nordestina.
Outro evento na praça, previsto para o dia 26 de outubro, deverá inaugurar o “Calçadão do Reconhecimento” no local, com a instalação no piso dos nomes dos vencedores do renomado Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos.
Ato Ecumênico, 50 anos depois
Em 2025, o Brasil lembra os 50 anos do assassinato do jornalista Vladimir Herzog, brutalmente assassinado em 25 de outubro de 1975 nas dependências do DOI-CODI, em São Paulo. Para marcar a data, a Comissão Arns e o Instituto Vladimir Herzog realizam a recriação do ato ecumênico na Catedral da Sé, mesmo local em que ocorreu a histórica cerimônia de 1975, que desafiou o regime militar e se consolidou como divisor de águas na luta pela redemocratização do Brasil.
Naquele ano, mais de 8 mil pessoas se reuniram na Sé para a missa de sétimo dia em homenagem a Herzog. O gesto, conduzido por líderes religiosos como o cardeal D. Paulo Evaristo Arns, o rabino Henry Sobel e o reverendo Jaime Wright, com o apoio do jornalista Audálio Dantas, então presidente do Sindicato dos Jornalistas de SP, tornou-se marco na resistência democrática.
Cinco décadas depois, o novo ato ecumênico será dedicado não apenas à memória de Herzog, mas também a todas as famílias que perderam entes queridos durante a ditadura.
A programação prevê acolhida a partir das 19h, com participação do Coro Luther King, seguida de manifestações interreligiosas, com a presença de Dom Odilo Pedro Scherer, da reverenda Anita Wright – filha de Jaime Wright, e do rabino.
Apresentações culturais com grandes nomes da música brasileira acontecerão no interior da catedral. Além disso, a exibição de vídeos especialmente produzidos para a ocasião estão previstos, entre eles, a leitura de uma carta de Zora Herzog, mãe de Vlado, feita pela atriz Fernanda Montenegro.
Estarão presentes no evento ainda amigos e familiares de Vlado, parlamentares, ministros, figuras públicas e José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça, representando as organizações realizadoras.
Evento na Faculdade de Direito da USP
Em 10 de novembro, na Faculdade de Direito da USP, um evento que tratará especificamente do Caso Herzog será realizado, com a presença de juristas e outras figuras públicas engajadas historicamente na luta em defesa da democracia e por reparação às vítimas de violações de direitos humanos.
Este evento é resultado de uma parceria entre o Instituto Vladimir Herzog e a OAB-SP, e conta com o apoio de outras entidades e instituições.
O tema será tratado em outras iniciativas especiais como reportagens, séries de TV, podcasts, entrevistas, eventos, incidência política, solenidades públicas e outras.
Acompanhe nossas redes sociais para acompanhar nossas atualizações:
– Instagram
– Facebook
– Linkedin
– Bluesky
Conheça mais sobre o Vlado no site do Acervo Vladimir Herzog.