Palestra 4: “Por uma Cultura de Respeito aos Direitos Humanos das Mulheres”.

Palestrante: Tracy Robinson, relatora sobre o direito das mulheres da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da OEA, Organização dos Estados Americanos.

 

TRANSCRIÇÃO

MESTRE DE CERIMÔNIA

Bom, dando continuidade, teremos agora a palestra 4, Por uma Cultura de Respeito aos Direitos Humanos das Mulheres. E eu tenho muito prazer de convidar essa próxima palestrante, que eu tive a oportunidade de conhecer e perceber que o feminismo negro não tem fronteiras. Então, convido com muita alegria Tracy Robinson, relatora sobre o direito das mulheres da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da OEA, Organização dos Estados Americanos.

TRACY ROBINSON (SEM ÁUDIO DA TRADUTORA)

Eu gostaria de parabenizar os organizadores dessa conferência ou seminário sobre a cultura da violência contra as mulheres e, principalmente, por terem incluído a Comissão Interamericana de Direitos americanos nessas atividades inovadoras.

Como muitos de vocês sabem, a Comissão Interamericana é um organismo de proteção disponível de acordo com a Convenção de Belém do Pará. A Convenção Interamericana de Punição, Prevenção e Erradicação da Violência Contra as Mulheres, que foi adotada na Assembleia Geral da OEA aqui no Brasil em 1994 e entrou em vigor um ano depois.

A adoção dessa convenção não foi uma questão pequena para os povos das Américas. Foi a primeira convenção de Direitos Humanos do mundo a abordar a violência contra as mulheres como uma violação dos Direitos Humanos. E por si só, foi um reconhecimento de que as culturas de violência estavam em todas as Américas. E para citar o preâmbulo da convenção, a eliminação da violência contra as mulheres é essencial para o seu desenvolvimento individual e social e para a sua participação completa e igualitária em todas as áreas da vida.

No artigo 7 da convenção, não apenas pede que os membros do Estado condenem todas as formas de violência contra as mulheres e concordem em introduzir políticas de punição para erradicar essa violência. No artigo 8 da convenção, há uma declaração onde é necessário adotar medidas específicas progressivas para modificar os padrões de conduta social e cultural dos homens e mulheres, inclusive o desenvolvimento de programas educativos formais e informais adequados para todos os níveis do processo educativo.

Para combater preconceitos, maus costumes e todas as práticas baseadas na ideia da inferioridade ou superioridade de qualquer um dos sexos ou em papéis estereotipados para homens e mulheres que “legitimizam” ou exacerbam a violência contra as mulheres.

O artigo * também incentiva a mídia a desenvolver diretrizes apropriadas para contribuírem com a erradicação da violência contra as mulheres em todas as suas formas e para aumentar o respeito pela dignidade das mulheres.

Os organizadores desse seminário, que eu respeito demais, em pediram, como relatora para os direitos das mulheres da comissão, para oferecer práticas promissoras para mudar as culturas de violência contra as mulheres. Eu achei que seria óbvio que os advogados seriam os últimos a ter respostas sensatas para esse tipo de questão e me sinto muito agradecida pelos outros apresentadores que deram respostas bem concretas a essa, a esse problema.

Uma das coisas que tenho ouvido nos últimos 3 anos e meio como relatora é o quanto é difícil o que é que funciona de fato nas Américas para a eliminação da cultura de violência contra as mulheres.

Quando Lori fez uma apresentação ontem e, pelo que posso dizer, foi um trabalho pioneiro nessa área. E eu gostei muito dessas práticas promissoras. E muitos dos exemplos que foram dados e que não vieram da nossa região da América Latina ou do Caribe e, sim, da África.

Grande parte das avaliações iniciais de programas ligados á violência contra as mulheres focaram em países de alta renda e nos contaram mais sobre a efetividade das intervenções em resposta à violência do que intervenções de fato pra evitar a violência.

Estamos num estágio inicial na descoberta do que funciona na América Latina e no Caribe. Tendo dito isso, algumas ideias importantes surgiram no último dia e meio. Uma delas foi a ideia de que iniciativas comunitárias e uma mobilização que aborde os estereótipos de gênero e as expectativas, mas também tentam desenvolver habilidades de comunicação, de vocação  e vida tiveram grande impacto.

Em outras palavras, inciativas que abordam as relações ideológicas e matérias de gênero são fundamentais para combater a cultura de violência e reconhecer também que essas relações não são divisíveis de relacionamentos de raça, sexualidade e classe, para mencionar apenas algumas.

Segundo, os direitos políticos e civis das mulheres são fundamentais para essa discussão, principalmente temas que estejam relacionados à pensão para crianças, manutenção e propriedade para as mulheres. Essas iniciativas são focadas no empoderamento econômico da mulher, inclusive transferência de renda. Isso parece um grande impacto quando está conectado a programas que lidam com estereótipos e expectativas de gênero.

A terceira ideia que surgiu e que nós já vimos repetidamente durante o último dia e meio é uma iniciativa muito promissora: incluir um trabalho com crianças e jovens a nível comunitário e nas escolas.

A quarta ideia que eu quero oferecer aqui é a necessidade de repensar e fortalecer os mecanismos de monitoramento e de avaliação que já temos. A Comissão Interamericana ficou impressionada com o estabelecimento de instituições que tentam direcionar políticas públicas relacionadas a questões de gênero nas Américas, mas o mecanismo de acompanhamento da comissão e seu comitê de especialistas notou, no último relatório, que poucos estados das Américas, na verdade, introduziram sistemas para avaliar o impacto desses programas nacionais contra a violência contra a mulher.

Menciono isso porque o comitê também mencionou que se você não fizer uma avaliação ou não houver uma política pública totalmente estabelecida, essa aplicação será não efetiva. E essas decisões relacionadas a Direitos humanos não apenas eliminam as culturas de violência como um projeto essencial e o mecanismo de acompanhamento da Convenção de Belém do Pará, o (?) foi… publicou no ano passado um guia para que essa convenção seja aplicada, que inclui indicadores sobre a implementação do artigo 8 na modificação de padrões e normas culturais e sociais.

Eu acho também que é possível prover diretrizes éticas para análises de cultura de violência. Fundamentalmente, o que é possível prover é uma linguagem para entrar num espaço que tente combater essas culturas de violência, que Rastafari chama de grounding. Grounding são espaços onde refletimos de forma coletiva, repensando não apenas o que sabemos, mas como sabemos e raciocinamos mecanismos de contestação que nós tínhamos por certos.

O que é um grounding aqui e agora? Como relatora, essa… esse é o terreno em que, 20 anos atrás, os países das Américas expressaram suas esperanças e seu compromisso no combate da violência contra as mulheres quando adotaram a convenção de Belém do Pará.

E… dentro desse… dessa situação internacional, que Maria da Penha, em 1998, 3 anos após essa convenção ter sido aprovada, procurou justiça. Todos sabemos que o caso de Maria da Penha teve um resultado importante e positivo. Levou à adoção histórica da Lei Maria da Penha em 2006. Em 2011… Nações Unidas Mulheres descreveu Maria da Penha como o nome que modificou a sociedade.

E notaram também que 5 anos após a introdução dessa lei, mais de 331 mil processos haviam ocorrido e 110 mil julgamentos e condenações finais também. É claro que Maria da Penha é um símbolo de coragem e de esperança. O caso dela é emblemático e levou à reformas abrangentes na legislação e nas políticas. Mas é também um lembrete como um mecanismo de acompanhamento da Convenção de Belém do Pará de que a adoção de medidas legais não é suficiente para erradicar a violência baseada em gênero.

Em uma audiência antes da Comissão Interamericana em 2011, a comissão recebeu informações sobre os obstáculos que as mulheres estavam enfrentando em relação à implementação da lei. No Dia Internacional das Mulheres, 9 de Março, a presidenta Dilma Rousseff observou que cerca de 15 mulheres morrem a cada dia somente porque são mulheres apesar da lei Maria da Penha.

Esse número aumentou entre 1980 e 2010 em cerca de 230%. Com base nesse contexto em que a lei é importante, mas não é suficiente, eu quero transmitir a vocês 4 mensagens extraídas da Convenção de Belém do Pará a respeito de como combater as culturas de violência. Essas 3 ideias refletem o nosso diagnóstico em relação à violência e como podemos responder a isso e também às nossas possibilidades.

Para leis de Direitos Humanos, a responsabilização do Estado é fundamental e embora não seja adequada para eliminar as culturas de violência, não devemos exonerar o Estado. Devemos continuar a atacar a impunidade como elemento que alimenta a cultura da violência e a reflete. Em outras palavras, devemos reconhecer e continuar a dar atenção às culturas estaduais de violência e às formas institucionais de violência contra as mulheres.

Em segundo lugar, devemos assegurar um diagnóstico apropriado do problema em que estejamos alando de todas as formas de violência contra todas as mulheres, levando em conta as definições de violência contra as mulheres que constam nos artigos 1, 2 e 9 da convenção.

Em terceiro lugar, eu gostaria de sugerir que nós envolvamos todas as mulheres como cidadãs plenas para que participem desse esforço. Finalmente, devemos priorizar a igualdade enquanto falamos e devemos pedir, como está declarado no artigo 3 de Belém do Pará, que todas as mulheres têm direito a uma vida livre de violência nas esferas públicas e privadas.

Imaginem, como Marai declarou antes, como seria o mundo se não existisse a violência contra mulheres e crianças. É verdade, é impossível mudar uma cultura de violência apenas adotando estratégias de resposta à violência. É preciso evitar, prevenir a violência.

Ainda assim, a Comissão Interamericana já sugeriu com frequência que uma cultura de impunidade e ineficácia judicial alimenta uma cultura de violência. Frequentemente, dizemos a revitimização e a ineficácia judicial dentro da administração da justiça contribui para a impunidade e essa impunidade convida a uma repetição  da violência.

Essa repetição promove tolerância social da violência e essa tolerância social cultiva a falta de tolerância, o medo e a desconfiança na administração da justiça e a subinformação e a retirada dos relatórios, um ciclo pernicioso de impunidade.

A comissão que a falta de ação do Estado em relação aos casos de violência contra as mulheres alimenta um ambiente de impunidade e promove a repetição da violência. Rashida Manjoo, relatora especial das Nações unidas sobre a violência contra as mulheres, dá mais peso a essa ideia ao descrever esses atos como omissões e formas de violência institucional.

Iniciativas para promoção de treinamento e educação daqueles envolvidos na administração da justiça conforme proposto pelo artigo 8 tem mais do que um papel instrumental na facilitação do acesso à justiça, é fundamental para a eliminação das culturas de violência institucional.

No caso de Maria da Penha, a Comissão Interamericana disse que, como a violência sofrida por Maria da Penha faz parte de uma norma, de um padrão geral de negligência e uma falta de ação eficaz por parte do Estado para processar e condenar os agressores, a opinião da comissão é que o caso envolve não apenas o fracasso no cumprimento da obrigação de processar e condenar, mas também a obrigação de evitar práticas degradantes.

E ineficácia judicial e discriminatória geral cria também um clima que leva à violência doméstica. Como a sociedade não vê nenhuma evidência de boa vontade do Estado como representante da sociedade de adotar as ações necessárias, a comissão conecta a ineficácia judicial à estereótipos de gênero e práticas degradantes.

Investigações ruins, medidas de proteção fracas e atrasos ao levar os criminosos à justiça estão conectados a esses estereótipos. Iniciativas sólidas nesse setor por parte da justiça podem aumentar os níveis dos relatórios, das denúncias, aumentar as condenações e reduzir a ineficácia judicial.

Continua sendo importante abordar todas as deficiências nas leis e as falhas na aplicação, na implementação das leis e políticas existentes em resposta à violência. Mas aprendemos que a mudança cultural necessária dentro desse mecanismo do Estado foi prejudicada pela ausência de programas permanentes de educação e treinamento daqueles envolvidos na administração da justiça que adotam atividades isoladas que têm pequeno impacto e o impacto não é duradouro.

O fracasso de treinar todos, inclusive as principais autoridades, a ausência de sistemas apropriados de responsabilização, monitoramento e avaliação, todos prejudicaram os esforços para modificar essa cultura de violência.

A Suprema Corte do México descobriu, entre 2008 e 2009, que, embora 7 de cada 10 funcionários da Suprema corte considerassem… consideravam importante incluir uma perspectiva de gênero na análise de questões legais, 18% deles disseram que não sabiam o que era uma perspectiva de gênero, metade disse que não sabiam como incluir isso, então, que não consideravam isso uma prioridade.

A maioria declarou – isso não chega a ser surpreendente para nós – que achavam que a perspectiva de gênero significava não fazer distinções entre homens e mulheres. É uma perspectiva perniciosa, cega em relação ao gênero.

Em 2013, a Suprema Corte de Justiça do México lançou uma publicação chamada Tomada de Decisões Jurídicas com uma Perspectiva de Gênero, um protocolo para tornar os direitos iguais uma realidade. Esse protocolo foi preparado para demonstrar como essa vitimização que acontece por parte do próprio judiciário é terrível.

As opiniões e decisões judiciais com perspectiva de gênero são parte de uma estratégia para combater a impunidade, a discriminação e a desigualdade, porque mandam uma mensagem de que as violações de Direitos Humanos “é” algo que pode ser prevenido, reconhecido e evitado,

Permanece algo fundamental, portanto, assegurar que haja uma responsabilização não apenas para as violências perpetradas por… não pessoas que não são membros do Estado, mas a violência institucional também, que continua sendo pervasiva e é preciso trabalhar em estratégias para combater essa violência que aprofunda o fardo dessa violência sobre as mulheres.

E é preciso remodelar tudo isso com a sanção do Estado. A Convenção de Belém do Pará define a violência contra as mulheres, no artigo 1, como qualquer ato baseado em gênero que cause a morte ou danos psicológicos, sexuais ou físicos ou sofrimentos às mulheres, nas esferas públicas ou privadas.

O artigo 2 esclarece que essa violência pode ocorrer na família ou em outro tipo de relacionamento interpessoal ou na própria comunidade, no local de trabalho, em instituições educativas, instalações de saúde ou qualquer outro lugar. Embora seja óbvio, um aspecto fundamental para a eliminação da cultura de violência é dar um nome e abordar todas as formas de violência contra as mulheres.

A Comissão Interamericana teve esse caso histórico da Maria da Penha em 2001, ela emitiu um… um relatório sobre a violência de parceiros íntimos. Alguns dos casos anteriores, ela admitiu a violência sexual contra mulheres nativas pelos militares.

No ano 2000, a comissão abraçou uma… um abaixo-assinado de Maria (?) Chavez, que como muitas outras camponesas, mulheres nativas ou de áreas rurais, foi sujeita forçadamente à esterilização; em último caso, isso levou à sua morte.

Os casos de fracasso na investigação de mortes relacionadas a gênero e de desaparecimentos forçados rondavam a comissão ao longo das últimas décadas, principalmente no caso representativo do campo algodoeiro no México. Muitos outros casos anteriores, haviam envolvido meninas, como o caso da menina de 14 anos  do médico, do México, que ficou grávida após ser estuprada dentro de casa.

Nesses casos, as autoridades do Estado não permitiram que ela exercesse o seu direito de interromper a gravidez conforme era previsto na legislação. O mecanismo de acompanhamento da convenção chama a nossa tenção para formas de violência contra as mulheres às quais não prestamos tanta atenção historicamente: violência obstétrica, violência econômica, violência patrimonial, violações dos direitos de propriedade das mulheres, violência simbólica.

Ouvimos falar muito disso nos últimos dias, mensagens, valores, símbolos que transferem e perpetuam a dominância. Nos nossos debates, também falamos sobre a violência cibernética, o assédio nas ruas; são formas de violência que costumamos ignorar.

A despeito das diferentes manifestações de violência contra as mulheres, a nossa resposta em relação à prevenção tem sido singular. O comitê de especialistas que formam parte do mecanismo de acompanhamento perceberam quantos planos nacionais sobre qualidade, igualdade de gênero falam apenas da violência doméstica  e quantos protocolos de saúde focam apenas na violência sexual.

O comitê também descobriu que os Estados oferecem poucas informações sobre como a violência contra as mulheres enfrentada em outros setores, principalmente o mercado trabalhista no setor de defesa e segurança,

Na região de onde venho, embora há décadas tenhamos leis sobre violência doméstica e leis atualizadas sobre crimes sexuais, não reconhecemos ainda o assédio sexual como forma de violência contra mulheres. Se estamos apenas começando a discernir o que funciona na prevenção da violência dos parceiros íntimos, sabemos menos ainda sobre como evitar outras formas de violência contra as mulheres.

As avaliações mais rigorosas em programas e atividades foram feitos em relação à violência de parceiro íntimo. Violência por não parceiro… mutilação genital e casamento infantil. Eu fico impressionada com a invisibilidade da violência institucional.

Quando a Comissão Interamericana explicou que o Estado tem a obrigação de tomar as medidas necessárias para evitar as violações dos Direitos Humanos por autores que não pertencem ao Estado, isso foi um imenso passo, um imenso avanço na legislação por Direitos Humanos.

Infelizmente, às vezes, o nosso olhar se desvia da violência onipresente contra mulheres e meninas no momento em que elas entram num serviço de saúde porque estão grávidas, nas mãos de professores na escola ou quando sofrem tortura sexual por autoridades representantes das forças de defesa.

Nós viramos o rosto dessa violência e observamos apenas a violência que não é perpetrada por agentes do Estado. O mecanismo de acompanhamento tem uma visão favorável dos planos nacionais de educação com aqueles que incluem Direitos Humanos, treinamento sobre gênero, igualdade, treinamento de professores…

Mas, de maneira geral, costumamos passar por cima da violência realizada pelo Estado, diretamente contra as mulheres e nos concentramos apenas nos parceiros íntimos homens. Às vezes, eu me preocupo com o fato de que nós, sobretudo – essa é uma questão polêmica – nós enxergamos as mulheres que são vítimas de violência principalmente quando não podemos ouvi-las.

A nossa revolta costuma estar voltada para os incidentes terríveis de violência e, às vezes, nós ignoramos, conforme já foi dito aqui, nós ignoramos a banalidade e seu aspecto mais corriqueiro.

A estudiosa americana “Saiddy Hitman”(?), em seu trabalho sobre escravidão fala da precariedade da solidariedade e de como, às vezes, nós testemunhamos o sofrimento e esse fato se sobrepõe á vítima e à expressão do sofrimento dela.

Nessa nossa revolta, às vezes, o sofrimento dessas mulheres se torna mais obscuro e é substituído pela nossa retidão, pelo nosso próprio valor do que é bom.

Eu quero sugerir que essa revolta e essa indignação, embora não sejam inúteis e relação à cultura contra a violência, tem limites. Eu acho que nessa etapa temos mais a ganhar, não da revolta, mas sim da curiosidade, da humildade. Do mesmo tipo de curiosidade e humildade que levou à realização deste seminário e que levou tantas de vocês a estarem aqui hoje. Precisamos permanecer curiosos no diagnóstico do que é a violência contra a mulher se quisermos eliminar e reconhecer que esse desafio global tem uma natureza multidimensional.

O artigo 9 da Comissão do Belém do Pará diz que os Estados que adotam medidas para combater a violência precisam levar em conta a vulnerabilidade das mulheres por conta de seu… da sua história étnica, de seu, da sua situação de imigrantes refugiadas, deslocadas, do fato de estarem grávidas, se forem menores de idade, idosas, com desvantagem socioeconômica, se estiverem em situação na qual não tem liberdade.

O que a convenção chama de vulnerabilidades “multiplicas”, múltiplas, uma ativista lésbica que conheci na terça-feira chamou de desumanização de tudo que não faz parte da norma. Onde a convenção utiliza um substantivo, a palavra vulnerabilidade, para descrever o efeito sobre as mulheres, ela utilizou um verbo ativo, desumanizar, para explicar o que ocorre com as mulheres: a  infraestrutura e a subestrutura da misoginia, do racismo e da homofobia.

Sem uma explicação prolongada das dimensões estruturais e compostas da desigualdade, ás vezes, nós orientamos nossos esforços de prevenção para patologias; patologias das pessoas de diferentes curas, pessoas que vêm do sul, pessoas nativas, mulheres e meninas que estão em culturas que precisam ser salvas.

Às vezes, nós olhamos a palavra vulnerabilidade  e vemos incapacidade e a falta de atividade dessas mulheres. E a precariedade da solidariedade em que vivemos é tal, que às vezes, não percebemos o nosso próprio papel no silenciamento dessas mulheres, embora nós tenhamos boas intenções.

Uma abordagem diferenciada intercultural que pedidos nesse sistema interamericano começa com respeito. Respeito pelas mulheres e atenção ao que elas dizem que é importante pra elas. Isso significa, ás vezes, enfrentar nossos próprios privilégios e o nosso poder no nosso trabalho com outras mulheres.

Por isso, eu vou falar agora do terceiro ponto. As mulheres e meninas precisam participar totalmente como cidadãs de todas as iniciativas para mudar a cultura de violência. Eu fiquei impressionada com a abrangência de iniciativas, incluindo essa apresentação que acabamos de ver, esse vídeo, que “compartilham” a voz de mulheres como elas entendem a violência e o que que elas querem que seja diferente.

É totalmente importante que as mulheres participem das atividades que são planejadas. Elas precisam participar do desenho e do monitoramento das atividades nacionais que ocorrem contra a violência. O mecanismo de acompanhamento notou que as organizações de mulheres oferecem serviços, mas às vezes, às vezes as mulheres não participam do desenho desses planos.

Muitas vezes, os serviços oferecidos não eram avaliados em relação àquilo que as mulheres, que são as clientes dos serviços, desejam. Recentemente, eu li que as mulheres no Caribe estão dizendo que as mulheres são usadas como sobreviventes para dar seus testemunhos, mas não são usadas para criar as políticas.

A sociedade civil caribenha fala sobre a maneira com que todas as organizações se sentem como se os serviços que elas “oferecessem” sejam apresentados para os organismos de Direitos Humanos como melhores práticas em termos de parcerias público-privadas para mostrar o compromisso dos estados com questões de gênero.

Mas, será que essas parcerias são realmente verdadeiras? Uma análise diz que, em alguns casos, isso se transforma numa outra forma de trabalho não remunerado para mulheres e permite que os Estados privatizem algumas questões relacionadas à violência de gênero.

Eu quero encerrar falando um pouquinho sobre a pergunta que Marai fez ontem. Imaginem como seria se a violência contra as mulheres não existisse. E a Lori também falou ontem sobre a importância de mudar essas culturas de violência para ter a capacidade de ter aspirações, não simplesmente saber que a violência não é certa, mas saber que esse problema tem solução.

Eu fiz uma pergunta semelhante… Agora, já há algum tempo eu venho fazendo com feminista caribenha. Nós sabemos daquilo que queremos salvar as mulheres. Queremos salvá-las da violência, do racismo, da transfobia e da homofobia, mas o que não está tão claro para muitas de nós é qual o futuro que queremos dar para essas mulheres que serão salvas.

O Tribunal Interamericano apresentou repetidamente a ideia do projeto de vida. Ele disse várias vezes que temos o direito de articular e trabalhar rumo ao nosso próprio projeto de vida, ou seja, o direito de fazer nossas próprias escolhas, que nós consideramos melhores por nossa própria vontade para atingir esses ideais, esses ideais que consideramos importantes.

Sabemos que violência, descriminação e injustiça, conforme já disse o Tribunal Interamericano, podem causar danos irreparáveis a esse nosso projeto de vida. Eu descrevo parte desse projeto de vida como uma força de imaginação coletiva, que oferece descrições ricas das aspirações para as mulheres, mulheres que incluem nós mesmas oferecendo aquilo que a gente considera, o que… aquilo que a gente considera serem as vidas que imaginamos.

Essas vidas que imaginamos, esses projetos de vida, são centrais para eliminar as culturas de violência e promover culturas de respeito pelas mulheres. Eu passei 10 anos, 10 dias no mês passado viajando pelo Caribe com Rashida Manjoo, que é essa relatora de violência contra mulheres. Em meio a discussões muito duras, ela ela lembrou o público dela algumas vezes do que ela chamava de os 3 Ps.

Ela disse que, se quisermos avançar, precisamos estar dispostos a desmantelar O Poder, o Privilégio e o Patriarcado. Muitas análises que eu escuto de uma vida sem violência contemplam os homens que continuam no poder, homens que continuam privilegiados. Eles simplesmente não batem, eles são como patriarcas benevolentes.

Nesse caso, conforme a Luíza disse ontem, o inimigo mostra sua face, às vezes até a face dela, de uma inimiga. É quase como se tivéssemos estabelecido uma margem para o desenvolvimento das mulheres, um limite que elas não devem ultrapassar.

E, dentro dessa margem, as mulheres poderiam, supostamente, ter uma vida livre de violência. Eu rejeito essa ideia e sugiro que não podemos eliminar as culturas de violência se não enxergarmos um horizonte além desse… dessas vidas livres de violência. Que contemple o significado da igualdade para nós.

Uma de minhas colegas feministas de Barbados disse que temos que pensar nessa vida imaginária, temos que repensar o que é o amor. Ela comentou que precisamos oferecer alternativas mais igualitárias de amor heterossexual, uma vez que a violência continua a estar envelopada nesse discurso romântico de amor.

A apresentação de Roz também falou da necessidade de repensar o desejo ou o que é sexy. Ou imaginar… as nossas vidas imaginárias precisam estar juntas com uma força de imaginação, descrição não apenas da vida das outras mulheres, mas de como nós nos imaginamos, nossas vidas.

Embora as legislações de Direitos Humanos não tenham grandes narrativas sobre o que funciona, eu quero sugerir aqui nesta minha apresentação e eles podem nos ajudar a manter os olhos focados nos nossos esforços de eliminar as culturas de violência, todas as formas e violência. E não apenas aquelas formas que conquistam a atenção, que costumam ser de corpos sem vida e sem voz.

Eu acho que isso nos dá a oportunidade também de manter nossa atenção na responsabilidade do Estado. Não podemos privatizar as questões de violência contra mulheres, precisamos saber até que ponto os próprios Estados participam de violência constitucional contra as mulheres.

Quero dizer ainda que os Direitos Humanos nos oferecem a oportunidade de garantir que as mulheres, como cidadãs plenas, estão dando forma às políticas que afetam suas próprias vidas e acabam com a violência que elas experimentam. E esses Direitos Humanos permitem que tenhamos uma visão mais ampla do que eu chamo de uma vida igualitária imaginária. Muito obrigada!*