Painel 3: “O Papel da Mídia na Desconstrução da Cultura de Violência contra as Mulheres”.
Moderadora: Jacira Vieira de Melo, diretora do Instituto Patrícia Galvão.
Painelistas:
– Guilherme Canela, assessor de comunicação e informação para o Mercosul e Chile da Unesco.
– Beatriz Accioly, pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre Marcadores Sociais da Diferença do Departamento de Antropologia da USP.
– Fátima Pacheco Jordão, socióloga formada pela Universidade de São Paulo, especialista de pesquisa de opinião pública.
TRANSCRIÇÃO
MESTRE DE CERIMÔNIA
Vamos ao painel 3: O Papel da Mídia na Desconstrução da Cultura de Violência contra as Mulheres. Lembramos que após esse painel, a Roz Hardie, ela volta pra quem tiver perguntas pra ela e durante o debate do painel 3, quem tiver perguntas pode fazê-las por escrito e entregar aqui pras moças da organização.
Para ser moderadora do painel O Papel da Mídia na Desconstrução da Cultura de Violência contra as Mulheres, convidamos para ser moderadora, Jacira Vieira de Melo, diretora do Instituto Patrícia Galvão.
Para compor o painel, convidamos Guilherme Canela, assessor de comunicação e informação para o Mercosul e Chile da Unesco; Beatriz Accioly, pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre Marcadores Sociais da Diferença do Departamento de Antropologia da USP.; e Fátima Pacheco Jordão, socióloga formada pela Universidade de São Paulo, especialista de pesquisa de opinião pública.
JACIRA VIEIRA DE MELO
Bom dia a todos e a todas! Eu acho que nós já começamos dia muito, muito inspirados Roz, parabéns por essa apresentação tão intensa, densa e interessante. A proposta desse painel é que nós façamos um debate, um diálogo e como nós podemos pensar caminhos, reflexões pra uma desconstrução da violência contra as mulheres na mídia e hoje também nas redes sociais.
Cada convidado e cada convidada aqui na mesa tem um percurso bastante diverso e a ideia é essa mesmo, de nós termos visões e um debate em seguida. Eu acho que nós, no campo, nós, no Instituto Patrícia Galvão, trabalhamos com a questão de comunicação, uma focalização mais forte na mídia jornalística e nós temos a percepção já há muitos anos que esse, que esse debate é um debate essencial, um debate fundamental para tratarmos da cultura, ou das culturas, de violência contra a mulher.
O impacto, a força, a penetração que os meios de comunicação têm junto à população, mas especialmente junto a meninos e meninas, garotos e garotas, formando e perpetuando um olhar de desigualdade, de diferença pra menos das mulheres é algo absolutamente importante, absolutamente essencial.
E nós temos do outro lado, sejam anunciantes, sejam produtores de conteúdo, sejam proprietários de veículos, sempre querendo nos colocar um único carimbo: vocês são mal humoradas, nós fazemos um trabalho lúdico, dialogamos com a população. Ou nos dizem: muito forte, vocês querem censura. Quer dizer, estão absolutamente “fechado” ao diálogo.
Eu diria que hoje, os meios de comunicação, os produtores de conteúdo, os anunciantes, têm uma postura dogmática, dogmática, como… como muitos religiosos os fazem. Então, vamos começar o debate, porque eu estou aqui de moderadora. Bom dia novamente! E começamos por quem? Você, Guilherme, é o primeiro. Certo? Guilherme Canela, que já foi apresentado, que atua na UNESCO, Mercosul, é isso, e Chile. Muito obrigada! Bem-vindo!
GUILHERME CANELA
Obrigado! Bom dia a todos e a todas! É um prazer estar aqui e acho que esse painel talvez seja um dos debates mais difíceis porque o guarda-chuva que se abre ao discutir mídia é um guarda-chuva muito amplo. E, de alguma maneira, inclusive pelo que a gente viu na palestra anterior, é razoavelmente fácil e razoavelmente inteligível, porque a gente pode rapidamente começara a atirar pedras na mídia, sobretudo num debate como esse de construção ou desconstrução da cultura de violência contra mulheres, meninas e adolescentes.
Agora, o que eu peço a vocês é que tentem, ao longo dessa reflexão desse painel, pensar que esse não é um debate nem simples nem fácil de ser resolvido. Ele envolve várias complexidades, inclusive o nosso papel em relação à mídia. Quantos de nós já vimos uma má notícia no jornal ou vimos uma má publicidade envolvendo questões de gênero e, de fato, utilizamos os caminhos “existente” pra nos queixar? Pouquíssimos e pouquíssimas.
Quantos de nós fomos até o fundo nessa relação positiva ou negativa com os meios de comunicação? Então, a construção, o resultado final de qualquer produto comunicativo, ele é devido a um conjunto de fatores que tem a ver, por exemplo, no caso do jornalismo, com a relação com as fontes de informação, todos e todas vocês; com a formação do e da jornalista, do jornalista na escola de jornalismo, que em geral é muito ruim. Enfim, um conjunto de fatores sobre os quais eu vou tentar falar muito rapidamente.
Mas o exercício que eu peço a vocês e que eu sei que não é fácil… todas as vezes que eu vou falar em vários países com públicos semelhantes e, quando tenho mais tempo, peço para as pessoas escreverem a primeira palavra que vem à mente quando o debate é mídia e Direitos Humanos ou mídia e direitos das mulheres ou mídia e direitos das crianças. A primeira palavra que vem à mente quando a plateia não é formada de jornalistas ou comunicadores, são palavras negativas.
E isso é muito ruim pra democracia. Que todos sem exceção pensemos em palavras negativas é ruim. E é evidente que a mídia tem a sua parcela de responsabilidades porque é assim, porque a primeira palavra que vem à nossa mente é uma palavra negativa. Mas não nos enganemos, é ruim que seja assim e é esse cenário que precisamos mudar.
Então, enfim, como eu tenho 10 minutos e um pouco que eu vou roubar da Jajá porque ela não usou os 10 minutos dela. Eu vou tentar fazer uma lista de supermercado aqui de coisas que são importantes a gente pensar. Mas eu não vou poder me aprofundar em nenhuma delas agora, mas com todo o prazer, depois do debate, sintam-se à vontade pra gente se aprofundar em algumas.
Mas eu queria começar com uma citação que vem de um estudo da Annabelle “Slebering”, que fez uma relação entre mulheres e mídia e ela começa dizendo o seguinte: “quando o regime talibã hesitosamente capturou Kabul em setembro de 1996, eles imediatamente fizeram duas coisas: barraram as mulheres de qualquer participação na esfera pública e baniram a mídia – a televisão, a imprensa etc. O controle sobre esses dois elementos – diz ela – mulheres e mídia, estavam no coração do regime talibã.”
É interessante notar que o estado de desenvolvimento desses dois direitos, – né, o direito de comunicação, a mídia, e o direito às mulheres de participação na esfera pública – estão no centro de entendimento de democracia consolidadas e valorizadas.
Então, primeira mensagem; a gente precisa de mais liberdade de expressão e não menos. Agora, o que significa mais liberdade de expressão? Significa ter o direito e a pluralidade de vozes pra combater esse tipo de discurso que a gente viu na sessão anterior, na palestra anterior. O caminho de restrições, que muitas delas são aceitas pelos… padrões internacionais, é um caminho possível mas bastante perigoso.
Em geral, há um certo cavalo-de-Tróia de em nome dos direitos da crianças, em nome de outros direitos, restringir a mídia, mas não com interesse de proteger esses direitos, com interesses mais complicados. Vejam o que está acontecendo em vários países do mundo e a censura nunca vem dizendo: eu quero censurar porque eu quero limitar os direitos políticos. A censura sempre vem com uma coisa bonita: queremos proteger os direitos de a, b ou c e por isso censuramos.
Repito: isso não quer dizer que qualquer regulação seja censura e que … não quer dizer que as regulações não sejam necessárias. Mas o debate é muito mais complexo e perigoso do que parece. Vários regimes autoritários, nesse exato momento, estão censurando jornalistas no mundo inteiro em nome de mulheres, de crianças etc. De maneira equivocada, falsa e hipócrita, mas nós temos que tomar muito cuidado com esse caminho ao desenvolver regulações pra essa área.
Então, a minha lista de supermercado dado esses recados, é claro que não tem como discutir as causas – que são várias, como já foi dito aqui ao longo desse dia e meio – da violência contra mulheres ou contra outros grupos sem discutir as instituições socializantes da sociedade. E evidentemente que, nesse momento, 15 anos do século XXI, a mídia ocupa um espaço central nesse processo de socialização e já o ocupa há muitos anos.
A primeira regulação sueca pra proteger direitos da criança e do adolescente em relação à mídia é de 1911, pra vocês terem uma ideia. No cinema nascente, eles já estabeleceram um primeiro conjunto de regulações. Então, não dá pra fazer essa discussão. Mas o que é discutir a mídia, do que que nós estamos falando? Nós estamos falando de imprensa, de jornalismo? Nós estamos falando de entretenimento?
E de entretenimento, nós estamos falando de televisão ou de games? Nós estamos falando de cinema ou de rádio? Nós estamos falando de publicidade? Quando a gente faz esse debate abstrato: a mídia é assim, nós estamos absolutamente equivocados, porque o que que é a mídia? Do que que nós estamos falando quando nós estamos falando de mídia? Nós estamos falando da perspectiva do The Guardian, do Le Monde, do Economist, que são coisas absolutamente diferentes do ponto de vista do tratamento que eles fazem dessa… dessas e outras questões.
Então, evidentemente, que vocês podem encontrar sempre zilhões de exemplos ruins e negativos e violadores dos Direitos Humanos e dos… e entre eles dos direitos das mulheres em qualquer uma das plataformas midiáticas que vocês escolham: Internet, televisão etc., games, mas vocês podem encontrar a mesma quantidade ou muito mais exemplos positivos e que, na verdade, contribuem pra promoção e proteção dos direitos humanos.
Bom, isso não quer dizer que os bons exemplos justificam a má conduta, mas sim que nós precisamos encontrar estratégias regulatórias, auto regulatórias, com a participação de todos os stakeholders pra promover a perspectiva positiva dos meios de comunicação na proteção e promoção dos Direitos Humanos e encontrar estratégias regulatórias em linha com os padrões internacionais de proteção da liberdade de expressão que diminuam a perspectiva negativa e os exemplos negativos.
Então, o segundo recado aqui é que o bicho é mais complicado do que parece. E falar de mídia no geral é fazer uma simplificação muito perigosa dessa realidade. Porque evidentemente que um game, cujo objetivo é assassinar profissionais do sexo da maneira mais cruel possível não é protegido pelo discurso da liberdade de expressão na maioria dos países democráticos civilizados, mas nós não podemos resumir o contexto midiático a esse exemplo específico.
Então, as diferentes plataformas contam. Agora, meu tempo está esgotado agora, porque eu peguei o teu pedaço; eu não sei quanto tempo eu falo, tu me avisa? Ok.
Depois, dentro dessas mesmas plataformas, não é o mesmo discutir, por exemplo, mídia pública, mídia comunitária e mídia privada. As estratégias pra isso são diferentes. A barra dos chamados meios públicos tem que ser mais alta do que os outros, porque são financiados com dinheiro do contribuinte. Então, de novo, aqui eu estou lançando várias agendas pra discussão, que, depois, se vocês quiserem a gente pode se aprofundar.
E as estratégias são várias. As estratégias regulatórias são complementares ás estratégias auto regulatórias, que às vezes funcionam e às vezes não funcionam, mas a gente tem outras coisas importantes. Nós temos uma agenda importante de capacitação. O menino pode passar 4 anos numa escola de jornalismo e nunca escutar dessas coisas que nós estamos falando aqui. Uma vergonha o estudo de jornalismo em vários países do mundo, uma vergonha! Válido também pro ensino de Direito.
A observação da mídia é fundamental nesse processo, nós precisamos monitorar mais. Todos nós que estamos aqui lemos um jornal por dia, quando muito dois, vemos um programa de televisão e saímos dizendo coisas sobre “a mídia é assim”. Errado.
Nas minhas vidas passadas, eu fazia monitoramento de mídia pra proteger direitos da criança, nós analisávamos 50 jornais brasileiros, 100 mil notícias por ano e, frequentemente, o que a gente encontrava é que as nossas hipóteses iniciais sobre como era a cobertura midiática eram todas equivocadas.
Em prol da mídia, nós éramos mais críticos e tínhamos hipóteses mais duras do que se revelavam quando os dados apareciam. Mas, sim, tinha muita coisa ruim e também tinha muita coisa boa. Então, o monitoramento da mídia é outra coisa importante.
E por fim, 3 elementos estratégicos que são fundamentais. Nós precisamos ter políticas públicas de educação pra mídia. Essa relação não é uma relação fácil e os países que foram mais bem sucedidos ensinam mídia na escola, desde o começo. E pra Internet, isso é fundamental, porque é muito difícil de regular.
Produção de conteúdo de qualidade é outra estratégia importante e nós não podemos esquecer da comunicação pública. Em geral, a comunicação que o Estado faz sobre as políticas públicas de gênero, de Direitos Humanos é muito ruim. Não estou falando do Estado brasileiro, em linhas gerais. O comunicador é chamado no final do processo, pra fazer o marketing, pra apagar o incêndio, mas não está na gênese da política pública. Isso é a receita do fracasso se a gente quer ter uma política pública interessante.
Pois bem… em cada um daqueles exemplos que eu disse: o entretenimento, a publicidade etc., nós temos diferentes elementos a ser discutidos, mas eu não vou poder fazer isso aqui pelo tempo, mas depois, a gente pode entrar neles se vocês quiserem, com todo o prazer.
Eu vou me deter, pra terminar, nuns recados sobre o jornalismo, que é uma parte importante e é a que eu conheço melhor. E aí algumas mensagens também lista de supermercado, mas depois a gente pode voltar. Não é função do jornalista ser ativista de nada. Então, não esperem jornalistas e jornalistas que vão aderir à causa de vocês. S eles estão fazendo isso, estão fazendo mau jornalismo.
O que vocês precisam esperar é que jornalistas façam bom jornalismo. E fazer bom jornalismo é estar neutro dentro de certos princípios de Direitos Humanos. O que é estar neutro? É fazer o que o Perseu Abramo dizia: jornalismo é tirar o verniz das coisas. E ao tirar o verniz das coisas, às vezes vai criticar a política pública, às vezes vai criticar a ONG, às vezes vai criticar… E essa é a função do jornalistas, é ser um “hot dog.” da sociedade.
Agora, quando eu dizia pro movimento da infância, o jornalista tem que escutar o sujeito que é a favor da redução da maioridade penal? Tem. É a função dele. O problema é que só escuta esse; tem que escutar esse e o outro.
Agora, muita gente do movimento da infância não queria que escutasse o sujeito que é a favor da redução. Errado. Isso não é jornalismo, isso é militância. Jornalista não é membro de ONG, jornalista é jornalista e nós precisamos ter isso muito claro quando a gente está pedindo, quando a gente quer alterar esse cenário .
Primeiro ponto então: o que nós melhor podemos esperar é bom jornalismo nessa história e isso vai ser importantíssimo pra proteção e promoção dos direitos das mulheres. Termino com uma… com duas questões aqui com esse… E ah, um parêntese aqui: quem não viu ainda veja o que a revista Rolling Stones fez sobre um caso de estupro numa universidade dos Estados Unidos.
Cometeram um erro, depois contrataram uma auditoria pra fazer uma avaliação muito interessante desse erro. E aqui nós temos um bom exemplo de bom… de mau jornalismo no início, mas de como pode ser corrigido, de autor regulação, depois eu posso falar um pouco mais sobre isso se vocês quiserem.
Então, as 3 mensagens são; nós precisamos de bom jornalismo e não se jornalismo ativista; nós precisamos de mais liberdade de expressão e não de menos; e as democracias só avançam com dissenso. Função de democracia não é encontrar consenso, função de democracia é organizar a esfera pública para que os vários dissensos existentes possam ser debatidos com uma certa profundidade e com uma certa justiça nesse debate. Ou seja, com espaços razoavelmente aberto pra todo e pra todas. Muito obrigado!
JACIRA
Obrigada, Guilherme Canela! Depois eu vou dar… 3 minutinhos pra Bia também. Beatriz Accioly, estudiosa de gênero, violência e Internet, hoje faz o mestrado na Universidade de São Paulo. Ah, doutorado, desculpe; acabou o mestrado sobre violência contra mulheres há pouco e faz um doutorado na Universidade de São Paulo focalizando esse tema, que é da maior, da maior importância. Com você, Beatriz.
BEATRIZ ACCIOLLY
Oi, bom dia a todas e todos! Eu queria, na verdade, começar com uma anedota, eu sou bastante anedótica pra quem me conhece. Ontem, eu fui num chá de bebê de uma amiga que espera uma menina, a Ana Luíza, e… entre as convenções de chá de bebê, de levar presente, né, eu levei um… eu coloquei a mão na barriga da minha amiga e falei: Ana Luiza, na verdade, eu acho que o meu maior presente pra você é lutar pra que você cresça num mundo melhor do que eu e das gerações passadas, porque vem aí mais uma mulher pra enfrentar essas barreiras, toda essa dificuldade.
Então, eu vou dedicar essa minha fala a ela que não nasceu, mas herdará nossa luta e… com certeza continuará adiante. Eu quero congratular a iniciativa, antes de mais nada, né, a todo mundo que tornou possível esse evento, especialmente o Instituto Vladmir Herzog e o Instituto Patrícia Galvão, que é meu parceiro há anos, né.
E na verdade, até agradecer, né, a existência do Patrícia Galvão, a sua ação e a produção de conhecimento e engajamento de vocês que torna a vida das mulheres brasileiras mais justa na medida do que a gente consegue fazer, né. Eu quero cumprimentar a moderadora Jacira, pra mim é Jajá, que… e os meus painelistas companheiros, a companheira Fátima e o Guilherme, é uma honra estar entre vocês, né.
Me chamaram pra falar de mídia na desconstrução de cultura, da cultura da violência contra as mulheres e eu vou falar de uma mídia específica, que é relativamente nova, tem trazido muitas reflexões e dificuldades, né, pras feministas, pra profissionais de justiça e pra mulheres em geral, que é a Internet.
Sobretudo o que a gente costuma chamar de Web 2.0, que é essa Internet mais recente em que todo mundo consegue produzir conteúdo, né: blogs, comentários, sites com mais facilidade, que acaba borrando as fronteiras entre quem produz e quem consome ou quem recebe a mensagem, o que acaba sendo uma característica um pouco diferente das outras mídias de maneira geral, pelo menos em proporção.
E se a internet, ela aparece como uma janela de oportunidade, de informação, está tudo disponível, essa nova geração tem tudo na mão, né, ela tem também fatores muito negativos. Como o Guilherme mencionou, é muito difícil regular, legislar sobre Internet, né, mas em especial em relação às mulheres, no que diz respeito à exposição e humilhações públicas que têm acontecido com frequência.
E tem, em geral, dois nomes: a pornografia de vingança e o cyber bullying, né, a perseguição online. Em 2013, aqui no Brasil, duas adolescentes, uma do Nordeste, uma aqui do Sudeste, uma de 16 e uma de 17 anos, elas cometeram suicídio após terem fotos íntimas divulgadas por ex-namorados.
Isso trouxe à mídia mais hegemônica, né, aos grandes jornais, o debate sobre pornografia de vingança, né, que é a divulgação sem o consentimento de imagens íntimas, eróticas, de pessoas e, sobretudo, de mulheres, com o intuito de humilhar e de destruir a moral sexual daquela pessoa, né, e acaba gerando escárnio, humilhação… e a Internet circula muito rápido com as redes sociais e tudo isso ganha uma proporção…
E caiu na rede, né… que é uma expressão antiga do futebol e… mas caiu na rede hoje, é muito difícil de tirar, mesmo que você consiga alguma coisa, né.
No mestrado, que eu pesquisei Lei Maria da Penha e o trabalho policial, eu via mulheres chegando às delegacias das mulheres, pedindo pra registrar BOs de… o meu marido, o meu ex-marido, o meu ex-companheiro, o meu ex-namorado, o meu ex-paquera está ameaçando divulgar minhas fotos que eu mandei pra ele, né.
E as policiais… ali sem saber o que fazer, sem uma (?) criminal, porque… isso tem sido tratado na justiça brasileira pela figura do dano moral, que é da responsabilidade civil, né, ou pela difamação, que pela escala do nosso código penal, ela é consideravelmente mais branda, né.
Então, houve duas grandes iniciativas no nosso legislativo. Uma veio do ex-deputado, do Romário, que era jogador de futebol, curiosamente, que propôs um projeto de lei pra transformar a pornografia de vingança em crime. E depois, o deputado João Arruda, que propôs uma modificação na Lei Maria da Penha, que hoje é o PL 5550, que ainda está em trâmite na câmara, eu acompanho ele todo dia.
Então, se vocês não sabiam, tem um negócio lá: acompanhem projetos de lei, você recebe e-mail toda semana, dizendo onde está o seu projeto de lei, que é pra unir a Lei Maria da Penha, né, coloca…, que foi criada para prevenir, coibir e punir a violência doméstica familiar contra as mulheres, colocar a divulgação de conteúdos íntimos, né, com o intuito de humilhação como uma das funções da Lei Maria da Penha.
Isso tem vários problemas, a gente pode discutir no debate, é uma boa pergunta, né. Mas segundo a ONG Safernet, que é a ONG que monitora denúncias de violência na Internet, de 2012 pra 2013, né, dobrou o número de denúncias de divulgação indevida de material íntimo e material erótico das pessoas, né.
E aí começaram a proliferar na mídia impressa e na televisão, casos e casos de pessoas que passaram por essa situação, né. E a Internet tem esse certo vácuo jurídico, né. O Brasil tem caminhado; ano passado foi aprovado o marco civil na Internet, que tem alguns efeitos sobre os provedores, né, os sites que publicam isso.
A gente teve a lei Carolina Dieckmann em 2012, que é uma atriz que teve suas fotos roubadas do computador, mas ela não… não serve ou tem sido muito pouco aplicada no caso de pornografia de vingança. Mas, na verdade, a reflexão é por que vingança, né? Por que que a imagem íntima de uma mulher, uma imagem erótica de uma mulher, por que ela traz tantas consequências negativas pra vida de alguém? Essa que é a pergunta que a gente tem que se fazer, né.
Porque, na verdade, ela diz muito sobre gênero e sexualidade, né, e se a gente… sobre o que a gente pensa que homens e mulheres são e quem eles devem ser, né. E a categoria gênero que a gente utiliza, né, mostra justamente a variabilidade, né, portanto o caráter cultural e social, né, das construções sobre feminilidade e masculinidade, né.
Se varia tanto se a gente comparar, né, culturas, momentos históricos, classes sociais, etnias, né, se varia tanto, então eu digo como antropóloga, né, não pode ser totalmente determinado pelo aparato biológico, nossos aparatos biol…. Tem muitas mulheres, né. Mulheres negras, mulheres lésbicas, mulheres trans, mulheres de outras nacionalidades, de outras religiões, enfim.
Mas tem uma certa norma, né, o gênero é com a gente pensa que deve ser o feminino. E eu falo norma, porque se a gente parar pra pensar, ninguém corresponde exatamente à norma, né. A gente sabe dizer o que é feminino, mas a gente sempre conhece a exceção, né, mas a gente sabe dizer a norma.
E a sexualidade, que não é a mesma coisa que gênero, né. Sexualidade é uma categoria que a gente tem usado pra falar de por quem você sente desejo, né, com quem você quer se relacionar, né, ela também é construída a partir de um aprendizado sociocultural, ela também varia muito e ela também é uma normal, né, em geral hetero-normativa, né, a ideia de que um homem tem que sentir desejo por uma mulher, uma mulher tem que sentir desejo por homem, né.
Então, sexo, gênero e sexualidade, elas estão imbrincadas nessa discussão sobre a violência na Internet contra as mulheres. Elas vão contra as normas de gênero e sexualidade que a gente tem.
A gente associa o feminino, né, na norma, ao recato, à privacidade, né, ao não exercício da sexualidade de forma pública ou explícita; é a mulher que tem que dizer não e impor os limites; muitas vezes, é a mulher que tem que controlar a sexualidade do homem, incontrolável, né. Então a mulher é o freio, né.
E se gênero é um aprendizado social, como eu já mencionei, ele é aprendido em algum lugar. E ele aprende desde que a gente nasce, né. Desde o primeiro momento que uma criança nasce e a ela é atribuído um gênero, a gente já começa a dar brinquedos, a tratar fisicamente, a vestir roupas. Tem todo um aparato de brinquedo, de publicidade direcionado a meninos e meninos, meninas, e é assim que a gente vai construindo como essas pessoas devem ser, né.
E a mídia é um espaço de construção de gênero, né. A gente também aprende na mídia, de maneira mais geral, né, como ser… como devemos ser homens e como devemos ser mulheres, né.
E acontece que essas normas de gênero e sexualidade aprisionam as mulheres em ideais de recato, castidade, de… não poder ter prazer, né. Essa pornografia como a Roz lembrou, né, ligada a uma violência e pouco ao prazer feminino, né.
E.. eu gostou de lembrar o caso de um desembargador mineiro, que julgando um caso de pornografia de vingança, que o juiz tinha decidido à favor da vítima uma indenização de 100 mil reais e aí, foi pra segundo instância e esse desembargador mineiro, falou:
Olha, eu concordo que houve dano, concordo que deva haver reparação, mas eu vou baixar de 100 mil pra 5 mil reais, porque uma pessoa… como, né, indenizar moralmente alguém que já não tem moral, né. Uma mulher que tira fotos assim, não tem muita moral. Exato. Complicado.
Então, eu gostaria de reforçara a questão, você falou do ensino do jornalismo, pensar o ensino dos nossos profissionais de Direito também. Tem muita gente lutando, mas também tem muita gente… jogando contra. E aí, eu pra terminar, só com um contraponto, né, eu dei o problema de uma maneira muito rápida, né, mas também tem uma coisa interessante, a Internet, se ela tem servido para propagar violência, ela também tem servido pra combater, né.
O papel das blogueiras feministas, o papel dessa nova geração de militantes, de meninas muito jovens que vêm me procurar, vertentes do feminismo, que aprendem com os blogs, que aprendem com alguns outros sites não hegemônicos, né, que vem se politizando, que vem construindo a categoria de pornografia de vingança, que vem lutando de maneira muito engajada, muito corajosa…
Então, a Internet abre um espaço pra própria resistência, o poder abre espaço pra própria resistência. E o que a gente precisa, né, além das leis e da regulamentação, né, é essa educação de gênero, é uma mudança atitudinal, uma educação de gêneros que pense diferenças e o sexo não como um destino… o gênero não como um destino inescapável, mas como várias possibilidades e que transforme diferença em diversidade, pluralidade e não desigualdade, opressão e violência. É isso, obrigada!
JACIRA
10 minutos cravados. Parabéns, beatriz, não, não pelos 10 minutos obviamente, mas pela fala tão instigante, tão importante que você traz pra nós. Agora, nós vamos u=ouvir uma pioneira em vários sentidos. E uma mulher que tem sido, em seu conhecimento, na sua experiência, uma inspiradora pra nós, feministas, pensarmos a mídia de forma mais abrangente.
Vai falar conosco Fátima Pacheco Jordão, especialista em pesquisas de opinião, especialista, especialista e parceira e associada-fundadora do Instituto Patrícia Galvão e associada-fundadora do Instituto Vladmir Herzog. É um prazer ter você aqui, Fátima.
FÁTIMA PACHECO JORDÃO
Obrigada a todos! Bom dia! É um prazer estar aqui justamente por causa dessa articulação… entre duas instituições, ONGs, que deveriam e teriam, inevitavelmente, que ter uma interlocução em algum momento. Ainda bem que essa interlocução chegou cedo e chegou rápido.
Mas este seminário me lembra um pouco, me lembra bem, aliás, uma frase do Nelson Rodrigues, que dizia o seguinte: “subdesenvolvimento não se improvisa”. E eu acho exatamente a mesma coisa com relação ao machismo: machismo não se improvisa. E violência contra a mulher é um derivado desta construção do machismo, que é complexa, tem a ver com mídia, tem a ver com leis, tem a ver com estereótipos, tem a ver com linguagem, tem a ver com cultura e assim por diante.
Então, nesta não improvisação… da violência, eu vou aqui simplesmente mostrar aquilo que o Glenn Smith, que deveria estar aqui no meu lugar, a reportagem do… do jornal, do Post Courrier, da Carolina do Sul e que ganhou o prêmio Pulitzer.
Se a gente puder… ok, já estamos… vamos no anterior por favor, no anterior, isto. Esta foi uma série de reportagens do prêmio Pulitzer e que seria muito importante dizer como ela foi realizada.
Ela foi publicada em agosto de 2014. Levou mais ou menos 6 meses para ser elaborada e, basicamente, ela contou com uma nova linha de… de formação, de realização de conteúdos de mídia… – ah, ok, obrigada, pra onde eu aponto? Aqui? Bom, eu vejo depois – … que é a ideia de um conteúdo produzido fora do jornal, fora do veículo através, neste caso desta reportagem, foi para o centro de reportagem investigativa, que é uma organização privada, coletiva, que existe nos Estados Unidos, assim como o público de lá, que é uma instituição que produz reportagens, financia, subsidia…
E aqui no brasil, nós começamos no ano passado ou retrasado com a Agência Pública. É uma agência também privada, de um coletivo de jornalistas, que se propõe a produzir reportagens com este fôlego. A própria imprensa… está muito clara, vê com muita clareza que ela já não tem fôlego pra fazer isto que nós vamos ver e isto que nós vamos procurar fazer e isto que nós temos que ir atrás dos meios de comunicação para que sejam produzidos.
Esta, esta, esta reportagem foi feita por 4 repórteres, com subsídio deste centro investigativo. Semana que vem, vamos ter aqui em São Paulo, a reunião anual ABRAJI, Associação Brasileira do Jornalismo Investigativo, que é a organização de jornalistas que está indo atrás dessa estratégia para que o jornalismo não perca o fôlego diante da Internet de um jornalismo em profundidade, investigativo etc.
Bom, por que Carolina do Sul, por que Charleston, uma cidade pequena de um estado relativamente pequeno, fez uma matéria desse tipo? Lá em Carolina do Sul é o campo onde mais mulheres morrem por violência, assassinadas por parceiros ou… e foram assassinadas 300 mulheres em uma década.
Queria só lembra que isso é nada perto do Brasil. Ontem, a ministra Eleonora Minecucci falou que de 2001 a 2011, foram mortas no Brasil 5654 mulheres, 15 vezes mais do que Carolina do Sul. Isso representa praticamente uma morte a cada hora e meia, um assassinato, um agravo desse tipo, uma hora e meia.
Se a gente pensar nesse seminário, enquanto nós estamos aqui discutindo essa questão tão importante, vocês … a gente pode fazer um cálculo, obviamente estimativo, que 72 mulheres brasileiras morreram nessas últimas 48 horas. Ou seja, nós estamos trabalhando e nós estamos discutindo um problema muito, muito mais agudo do que Carolina do Norte, que é o estado mais criminosos dos Estados Unidos, criminosos contra as mulheres e, portanto, este seminário aqui é da maior importância.
Agora eu vou ter que… eu vou ter que exercer aqui, vamos lá!
Esta é a capa das 7 matérias publicadas. Claro que se Smith estivesse aqui, ele nos daria detalhes… nós não podemos dizer isso, nós vamos apenas tentar passar pra vocês a ideia do que pra nós seria, por exemplo, uma matéria exemplar a ser construída pela mídia.
Aqui no Brasil, nós nunca tivemos uma matéria ou um trabalho jornalístico como esse. Ele não é apenas um trabalho de exposição, de diagnóstico. Ele mexeu com todas as esferas de responsabilidade; Estado, Prefeitura, polícia, escolas, instituições ligadas à proteção da mulher, sociedade, legislação e assim por diante.
E de lá pra cá, ou seja, de agosto pra cá, o Post Courrier tem mantido uma cobertura intensa; os jornalistas chamam de uma suíte, uma grande suíte dessa matéria. E lá com cá, eles também ficaram muito claro… ficou muito claro pra eles que as… os legisladores resistem à mudança, as punições são brandas e os agressores seguem livres.
Há dados muito interessantes que dizem que no estado de Carolina do Sul, os bichos, os animais domésticos, quem agride animal doméstico tem penas maiores, mais específicas e mais duras do que quem agride ou assassina uma mulher.
O segundo capítulo tem… foca o legislativo da Carolina do Sul, as leis etc., e uma diretora de uma dessas… abrigos para as mulheres dá um depoimento contando da sua frustração ao dialogar com políticos, com legisladores, que eles não tinham a menor compreensão dessa questão da violência contra as mulheres.
Só lembrando que, nesse sentido, o Brasil, de certa maneira, foi pioneira… foi pioneiro, criou ainda na década de 80… um… a delegacia da mulher, legislação que foi se aperfeiçoando até há 5, 6 anos atrás, que foi criada a Lei Maria da Penha, que é considerada pela ONU uma das 3 melhores leis com relação à proteção da mulher, punição, regulação, etc. junto com Chile e Espanha.
É interessante que esta questão do ponto de vista de …. soluções ou do ponto de vista de contenção, esta onda de violência está vindo muito mais do sul, da periferia para o centro do que vice-versa, como era acostumado ocorrer.
Aliás, deixa eu fazer um parêntese aqui, que do ponto de vista de pioneirismo como a Jajá colocou anteriormente, na década de 70… foi feito um estudo aqui… sobre mídia, sobre publicidade e a configuração das mulheres. Nós temos aqui no Brasil… estou falando quase que falando com a nossa conferencista, porque a agência… que você cita e que vocês acompanham etc., nós temos o equivalente que é o CONAR, uma agência de autor regulamentação publicitária também deste a década de 70.
O CONAR é uma instituição que derivou de uma mesa como esta, realizada no Centro Cultural do Bom Retiro, onde Clarice Herzog apresentou, em 1973, alguma coisa assim, o primeiro estudo crítico da publicidade brasileira. Ela, pessoalmente, dirigia um departamento de pesquisa da, da… acho que era da standard, alguma coisa assim, e ela promoveu esse estudo, porque ficou indignada com uma propaganda de iogurte, que a mulher babava quando experimentava o iogurte.
Eu estou com o tempo esgotado, mas vou rapidamente, então, terminar descrevendo… Pulei um aí, eu já… podia voltar um pouquinho só, que eu rapidamente vou passar por elas… Ajuda aqui, pronto….
A parte 3 dessa reportagem fala justamente de instituições que compõem o ambiente cultural americano e, sobretudo, da Carolina do Sul, que é o papel perigoso das religiões, o que eles chamam de cinturão bíblico e seus relacionamentos. Nós estamos começando a enxergar essa nuvem com muita clareza no Brasil e ela está começando a ficar cada vez mais pesada, mais cinza.
Então, é esse aspecto da cultura do lado religioso que oferece um enorme perigo… isso foi claramente constatado nessa matéria. Outro aspecto que foi constatado é que já há instrumentos e fórmulas para prevenir essa questão e que está havendo uma, vamos dizer assim, uma apatia da parte da sociedade, da parte educação, das escolas e das áreas do Estado em acelerar… a rede… nessa, nessa direção.
Ou seja, nós estamos perdendo oportunidades de salvar mulheres. E termina… ou vai terminando a matéria dizendo: basta, chega! “Enough is enough”, quer dizer, não dá pra mais pra protelar, para adiar, para reclamar, para diagnosticar. É momento do Brasil, é o momento dos Estados Unidos, é o momento do mundo virar essa página.
E eu acho que a atitude da ONU… Mulher em trabalhar com essa campanha no mundo inteiro, que o Brasil vai sediar, é a USP quem vai sediar, esse polo internacional, é muito importante no sentido de… oferecer uma virada. E eu sugiro fortemente que vocês acessem este trabalho no site da Pulitzer, que leva a cada uma das reportagens e… termina oferecendo, problematizando e oferecendo algumas soluções.
Este seminário vai fazer o mesmo. Vai ter um documento que vai propor caminhos, vai, de certa maneira, gritar: basta!
JACIRA
Muito obrigada, Fátima. Eu gostaria de pedir à produção mais uma poltrona para convidar a Roz para estar aqui conosco no momento do debate. Foi interessante, foi… e vocês… não vou deixar de comentar, foi proposital convidar pessoas assim, dessa maneira, que tivessem perspectivas diferentes pra trazer pra esse debate que é tão complexo. Mas eu não posso deixar de dizer pra vocês que o Glenn, um dos jornalistas que fez parte da equipe dessa reportagem premiada que a Fátima acaba de comentar, ele foi convidado por nós, aceitou de forma entusiasmada, tivemos conversas por telefone “interessantíssima” com ele…
Mas houve um… um pequeno equívoco de parte a parte, da nossa parte e da parte dele, de não falarmos que ele precisava e ele não perceber… do visto pra vir ao Brasil. Ah, gente… algumas pessoas falam: americano é assim mesmo, sempre acham que podem papapá… Não é bem assim, é… de repente, você precisa informar também.
Por outro lado, foi um contato maravilhoso. Com certeza, Instituto Vladmir Herzog, Instituto Patrícia Galvão, fará um novo convite e essa equipe estará conosco que me parece da maior importância. Mas eu vou começar, pra ganhar tempo, porque a gente está aqui pra ganhar tempo… O seguinte, eu vou começar com a Roz.
Eu aqui neste momento, eu tenho acho q uns 20 minutos pra provocá-los. E é isso que eu vou procurar fazer de forma interessante, espero. É… deixe-me achar aqui, Roz. Eu diria primeiro que é interessante a gente conhecer e saber que o grau de liberdade da publicidade na perspectiva de objetificação das mulheres não tem limite no Brasil e no mundo. Porque às vezes a gente pensa que é aqui, né, no Brasil a gente sempre acha que aqui é um pouco pior.
Mas não tem limite no Brasil e no mundo, esse sexismo, a propaganda etc. e tal. E aí, eu…sempre quando eu debato o tema da publicidade, principalmente da propaganda, já… às vezes dialogando com promotoras, juízes, em ambiente amplo como esse, eu sempre trago a seguinte questão.
Uma, essa… essa… tratar a mulher como a representação de objeto, essa representação das mulheres na publicidade, que Clarice Herzog nos trouxe lá no final dos anos 70 pra pensar, ela é fortemente rejeitada pelas mulheres. Nós temos, o Instituto Patrícia Galvão fez, há um ano e meio atrás, com data popular, uma pesquisa nacional, de âmbito nacional, e as mulheres brasileiras rejeitam fortemente essa… essa, essa, essa representação da imagem.
Agências internacionais de publicidade também já fizeram pesquisas com vários países, países sub… superdesenvolvidos, médios, tal… é a mesma história. Quer dizer, tem uma rejeição muito forte. Será que a gente pode pensar algumas coisas do tipo: a área de criação ainda é predominantemente masculina no campo da publicidade? Essa área de criação não é só masculina e machista, mas ela é branca…. Ela é branca. É masculina e branca e…. formada por homens dos extratos mais avantajados das sociedades.
Não quero tomar o tempo. Eu queria um pouco dessa reflexão também na entranha da publicidade, porque no Brasil é assim. Nós temos, na área.. a área de pesquisa, aliás, é formada por mulheres, na sua maioria sociólogas, psicólogas, bastante equipadas e elas dizem: a área de criação não ouve. E aí… nós, que conhecemos um pouco a área de criação sabemos que esse… no Brasil, pelo menos, esse é o perfil.
É um perfil branco, masculino, eurocêntrico e de alta sociedade.
ROZ (SEM ÁUDIO DA TRADUTORA)
Eu acho que há duas coisinhas aqui. É preciso pensar em quem controla a mídia, quem controla a área publicitária e as mensagens que eles tentam divulgar para nós. Vamos começar com isso. Pelo menos, primei… no curto prazo, vamos falar sobre o que precisa acontecer, as vozes das mulheres devem ser ouvidas, é preciso trabalhar com isso nas agências publicitárias. Mas vale a pena pensarmos em regulamentações mais sólidas.
Mas como consumidoras, também podemos usar o nosso poder econômico de consumidoras para ganhar força. Eu acho que houve algum projeto na África do Sul, onde havia o apartheid, por exemplo, isso tinha que ser combatido. É muito importante… pensar na divisão do trabalho, pensar na, na, nas vendas de roupas pra crianças, por exemplo, alimentos, coisas que são compradas por mulheres normalmente.
É importante que as pessoas, com frequência, se sintam desconfortáveis com as publicidades, mas essas pessoas, muitas vezes, não fazem a conexão, não pensam: essa publicidade é feita por esse supermercado, por essa marca, por essa indústria e é possível que as mulheres deixem de comprar isso.
As nossas organizações e as organizações parceiras em várias partes do mundo estão começando a pensar em como seria bom se esses, se essa publicidade não aparecesse, é claro, mas se você não estiver satisfeito com isso, o que pode se fazer, a quem se pode reclamar?
Na semana passada, em Wales, no Reino Unido, em um ônibus, havia a imagem de uma mulher colada do lado de fora… que dizia: monte em mim o dia todo e só custa 3 libras. Então, isso pode ser um eufemismo para uma relação sexual. Era uma brincadeira envolvendo a prostituição. Nós conseguimos fazer com que essa publicidade fosse retirada em 24 horas, porque todo mundo ficou indignado com isso.
E é claro que se você conseguir o apoio de alguma celebridade conhecida, como a cantora britânica Charlotte Church, que se envolveu com isso, isso surtiu efeito. E aí, você consegue uma cobertura maior e gera uma controvérsia maior. Então, é possível conseguir que essas publicidades sejam retiradas.
Então, quais são as nossas estratégias. A estratégia é focar nessas empresas e, às vezes, fazer com que os diretores aceitem retirar isso. E às vezes, são publicitários, são profissionais que trabalham com isso, que criam essas publicidades. Eles, muitas vezes, pedem desculpa, retiram esse material.
Claro, se eles fizessem isso seria bom, já é alguma coisa, é um passo na direção certa de qualquer forma. E nós vimos ocorrer uma grande mudança cultura no Reino Unido nos últimos 3 anos por causa das reclamações em massa. Essas coisas são muito importantes. Eu acho que isso ocorreu parcialmente porque é preciso ter agências regulatórias e pessoas que trabalhem lá que tenham a mesma opinião que nós em relação a como a publicidade usa as mulheres.
É mais fácil transformar isso em uma preocupação pública se você tiver provas. Para nós, ativistas, a preocupação grande é utilizar as ferramentas que temos da maneira melhor para motivar as pessoas, para envolver as pessoas de uma forma que não seja muito difícil.
Frequentemente, dizemos ás pessoas o seguinte: se for possível escrever alguma reclamação rápida, curta, será melhor. Mas se você tiver que escrever algo de 40 páginas e não tiver tempo para fazer, ficará mais difícil.
É muito triste, nós vemos o que está acontecendo no Brasil. Em alguns casos, parece que estamos dando um passo à frente e muitos passos atrás. E há algo mais importante: se você conseguir envolver muitas pessoas isso ajudará a mudar a mentalidade, a forma das pessoas pensarem e enxergarem a mulher. Isso entrará na sua mente
Por exemplo, se você for na polícia, pode haver uma imagem de uma mulher sexualizada, bonita, idealizada. Você vai olhar, puxa, eu não sou assim, eu me sinto desconfortável e isso causa uma sensação ruim. Há muitas mulheres, sem dúvida, que têm esses problemas associados a essas imagens extremas e elas ficam com distúrbios alimentares, elas têm problemas graves em relação à comida por causa dessas mensagens.
Elas entendem que não são boas o suficiente, porque não são tão bonitas como aquela mulher que está naquela imagem. Então, é preciso ter estratégias compartilhadas para fazer com que isso funcione.*
JACIRA
Obrigada, Roz! Eu vou agora… minha provocação vai ser com… dialogar um pouco com o Guilherme Canela, que tem sido um interlocutor estratégico para, aqui no Brasil, pensarmos esse campo da regulação ou da autor regulação.
Primeiro, vamos lembrar que, no Brasil, 97% dos domicílios têm televisão. Até recentemente, só 45% dos domicílios no Brasil tinham máquina de lavar; só pra gente saber do que é que nós estamos falando.
Então, quando nós discutimos, por exemplo, regulação, autor regulação… vou de novo me, me… tendo como referência o movimento feminista no Brasil, a Rede Mulher e Mídia, atuando já nos últimos 5 anos, um grupo, uma rede formada por mulheres feministas que estão atentas a esse tema. Nós temos discutido muito que a TV brasileira é assistida em média 2 a 3 horas por dia por crianças e adolescentes.
E a gente precisa ter como referência que a infância e a juventude… A infância e a juventude são momentos de construção de identidades, comportamentos e mentalidades. Isso é, nós estamos falando de culturas e também de culturas de violência contra a mulher.
No final do Governo Lula, o ministro da SECOM, da Secretaria de Comunicação, promoveu o seminário internacional, que foi um momento ímpar no Brasil e ali estava um representante da agência de Portugal, você deve lembrar bem e ele trouxe uma experiência muito interessante, que é uma agência, aliás, uma agência independente e Governo, com muita gente, com recursos financeiros etc. e tal.
E monitorava a mídia, tanto jornalística quanto publicidade, entretenimento e, de seis em seis meses, eles faziam audiência, audiências públicas e tinha recomendações. Por exemplo, tinha recomendações pros telejornais que tinham as suas fontes de referência 90% masculina. E diziam, bom, Portugal tem economistas, cientistas, médicas, engenheiras de toda (?), esses telejornais estão tendo uma perspectiva não diversas etc. e tal.
Eu queria um pouco que você comentasse, porque eu acho que isso é muito importante. No Brasil, há uma interdição, volto a dizer, dos meios de comunicação e até das pessoas que atuam nos meios de comunicação: artistas, jornalistas, etc. e tal. Todo momento que se fala da… de regulação é um… é um bicho de sete cabeças. Por favor.
GUILHERME
Várias coisas, mas antes, deixa só eu meter a colher no negócio do Pulitzer, porque eu acho que é muito importante a gente entender o que aconteceu ali. As pesquisas que existem sobre cobertura jornalística de violência em várias partes do mundo, incluindo no Brasil, mostra um dado muito complicado, que é o seguinte:
O enquadramento – como se diz na teoria do jornalismo – sobre a cobertura de violência em geral e em relação a mulheres e crianças em particular é o enquadramento altamente individualizado. O que que quer dizer isso? O jornalista ou a jornalista cobre o crime e é isso.
Ainda que fosse a cobertura mais politicamente correta no sentido de não falar menor, falar adolescente, que não fala crime passional, tudo que vocês queiram de deixar a coisa bonitinha, não ia mudar nada. Porque o segredo dessa matéria é que ele associa a discussão dos crimes a uma discussão de política pública. E isso é o que não acontece na nossa cobertura de violência.
Então, a gente tem que ir mais além do pedido que se faça uma cobertura politicamente correta. Isso está bom, é importante, mas é mais importante que se mude o enquadramento de uma cobertura individualizada para uma cobertura de política pública. E pra nada é fácil fazer isso. Se vocês lerem a sequência de reportagens, vocês vão ver o quanto é complexa essa rede de o que é discutir política pública. Porque não é só o governo, envolve o legislativo, envolve o poder judiciário, evolve a sociedade civil, enfim…
Mas isso é o primeiro recado que eu acho muito interessante perceber. A outra coisa que é interessante dessa matéria do Pulitzer, porque eu sou responsável por esses temas pra UNESCO e pra América Latina é que tem um chororô dos jornalistas na região toda, que é: sim, mas esse tipo de coisa, coberturas importantes de Direitos Humanos são só esses grandes jornais que conseguem fazer, o The New York Times, o The Guardian, porque eles têm equipes de jornalistas investigativos… Esse jornal é um jornal da Carolina do Sul e ele ganhou Pulitzer.
Então, eu acho que aqui também tem um recado que é possível sim fazer cobertura de qualidade nessa área, é uma questão de querer, de tomar essa decisão e de ir pra frente e mudar. E não é fazer tese de doutorado no jornalismo, as mesmas não sei quantas mil matérias de violência que já existem, mudar esse mesmo espaço; não precisa dar uma linha a mais, mas é mudar esse mesmo espaço, é mudar essa perspectiva.
Então, esse é a minha colher ali no negócio que a Fátima estava discutindo.
Sobre a pergunta da Jajá, primeira coisa, eu acho que é discutir regulação… não é discutir regulação ou autor regulação, é discutir regulação e autor regulação. Os melhores exemplos internacionais são do que nós chamamos agora das Nações Unidas de práticas corregulatórias, ou seja, a auto regulação pode funcionar, ótimo, é mais, é menos custo pro Estado, é mais participação etc.
Mas nem sempre ela funciona. Aqui no Brasil mesmo, a Fátima citou o exemplo do CONAR, há estudos na Unifesp, há estudos no Instituto Alana, que demonstram a falha deste órgão autorregulador em… verificar várias dessas situações, não só relacionadas a publicidade com problemas de gênero, mas em relação a crianças e etc., etc. Isso quer dizer que tem que acabar com o CONAR amanhã e etc.? Não, mas é preciso criar instrumentos para que quando a autor regulação não funciona, pra que haja outros mecanismos sempre em linha com os “standares” internacionais.
Agora, sim, é possível regular os meios sem cair em práticas censórias. E isso é a primeira coisa que a gente precisa desconstruir. Essa ideia de que qualquer regulação é censura, é mentira; isso não é verdade. O que não quer dizer que a gente não deva se preocupar com censura. Os governos de todas as cores, de todos os partidos, se puderem censurar a mídia, censuram.
Porque nenhum de nós, nenhum de vocês que está aí sentado ou sentada, gosta de ouvir coisas que não são do nosso pensamento. O Tribunal Europeu de Direitos Humanos diz o seguinte: proteger a liberdade de expressão é proteger o discurso que a gente não gosta de ouvir, porque senão é fácil.
Então, a gente tem sim que se preocupar com censura, mas essa ideia de que não é possível regular nada porque tudo é censura não é verdade. As mais importantes democracias do planeta regulam essas coisas. Uma coisa é estabelecer regras do jogo que são importantes,
Ninguém sai por aí dizendo que, porque a gente tem semáforos com luz vermelha que o direito, tanto constitucional como da Declaração dos Direitos humanos de ir e vir está sendo impedido. O semáforo está lá porque a gente precisa garantir o direito do outro passar naquele momento. Então, regras do jogo não tem nada a ver com uma limitação indevida.
Esse discurso que a gente sempre faz, que eu acho que é um equívoco nosso também, da sociedade civil, que é… eu vou a muitos seminários que é… existem limites pra liberdade de expressão? É claro que existem, eles estão lá estabelecidos lá no artigo 19 do pacto civil, dos direitos civis e políticos, mas não é esse o problema, não é discutir pelo lado da patologia, é estabelecer as regras do jogo, que não são pra limitar, é pra ter mais liberdade de expressão.
Mas não só pra mídia, pra todo mundo. E esse é o nosso objetivo e é por aí que a gente tem que caminhar. Agora, eu tenho… muitos países regulam também, era o exemplo da Jajá, com faz Portugal e faz a Suécia, elementos do jornalismo. Eu tenho a impressão de que esse debate é meio perigoso.
Eu acho que as regras de regulação que ajudam muito são as regras que ajudam a aumentar a pluralidade dos meios. Quanto mais meios a gente tiver, mais possibilidades nós vamos ter de desconstruir os discursos que são discursos raros etc. E… lembrando… por isso que é importante fazer a diferenciação.
Uma coisa é discutir televisão, que é um recurso público finito; ela é um espectro eletromagnético de propriedade do Estado e aí cabe um conjunto de regulações, que depois, se vocês quiserem, a gente pode discutir. Outra coisa, por exemplo, é discutir mídia impressa. Ninguém espera que o Observatório Romano vai fazer determinadas discussões. E não tem que fazer mesmo, é um jornal específico de uma determinada corrente.
Agora, um, um canal de televisão financiado… e cujo espectro eletromagnético é de propriedade de todos não pode seguir a mesma estrutura do Observatório Romano. Por isso que a gente precisa diferenciar essa bolsa quando a gente chama todas essas coisas de mídia. As estratégias regulatórias são diferentes, as estratégias autor regulatórias são diferentes.
Pra terminar, acho que a observação desse… os dados são muito importantes. Quando a (?) começou a observar os Direitos da Criança na mídia em 1996, o primeiro ano de dados concretos, nós tínhamos 10 mil matérias sobre crianças e adolescentes em 50 jornais monitorados. 10 anos depois, em 2006, havia 150 mil matérias sobre crianças e adolescentes nesses… mais ou menos nesses mesmos 50 jornais.
E isso foi fruto de uma aliança estratégica dos movimentos da infância com a mídia no sentido de dizer exatamente isso: nós precisamos de bons jornalismos sobre a infância. E esse recado, de alguma maneira, foi ouvido. É claro que é muito mais fácil fazer a discussão da infância do que no lado do movimento das mulheres.
Mas é importante em todo o mundo aprender com a estratégia do movimento da infância, que foi muito exitosa. Não só no Brasil, em vários países.
JACIRA
Obrigada! E ótimo que vocês estão ocupando… falando… achando sínteses. Beatriz… vou dialogar com a Beatriz e vou fazer um breve comentário. Primeiro, se nós olharmos no Brasil recente, nós temos algumas campanhas desencadeadas… Chega de Fiu Fiu… que foi trabalhada e mobilizada por uma mulher; não Mereço ser Estuprada, com grande impacto nas redes sociais, mas também com uma visibilidade importante na mídia tradicional, isto é, jornais, rádios e TVs.
E aí, eu vou fazer um comentário aqui, que hoje eu chequei com as jornalistas do Instituto Patrícia Galvão. Por que é que essas campanhas ainda não mobilizaram os homens, garotos, rapazes etc.? Por que as campanhas que nós temos nos últimos tempos na Internet contrária à cultura da violência, a gente ainda não encontrou uma parceria forte com os homens?
E hoje, comentando… quando estava começando esse espaço com o Canela, Canela e eu comentamos… olhando o nosso auditório, não só de ontem, as pessoas que estão participando, mas hoje também… por que que esse debate, mesmo que colocado dessa forma, Cultura de Violência Contra Mulheres mobiliza tão pouco ainda jovens, homens, rapazes, mesmo da área acadêmica ou de serviços etc., etc. Acho que vale uma reflexão pra nós também.
Agora, o que eu quero comentar com você mais diretamente…, Bia, é essa história que você nos trouxe, o gênero. Quando esse jovem, esse homem, não importa a idade, pratica a vingança virtual, a sua vingança virtual não tem tido na sociedade brasileira uma reprovação. A primeira reprovação é porque essa jovem deixou-se filmar numa relação tão íntima, praticando sexo com seu namorado? Hum, bem feito!
É muito parecido com o que, no Instituto Patrícia Galvão chega, jornalistas, oito de março, 25 de novembro, e eles sempre nos perguntam, eles começam a entrevista dizendo: por que é que as mulheres ficam tanto tempo em relações “violenta”? Quer dizer, essa culpabilização, esse lugar moral dos homens e das mulheres tem hoje uma expressão muito forte nas redes sociais.
Quer dizer, temos outros meios, outros jovens, gente aí… atuando, né, nas redes sociais fortemente e aquele lugar marcado, moral, das mulheres e dos homens está fortemente e até na visão da mídia quando cobre esses casos?
BEATRIZ
Pergunta de um milhão de dólares. Obrigada, Jajá! Bom, eu vou… por parte, né, vamos lá. Começando com essas campanhas: o Chega de Fiu Fiu, que foi iniciativa do blog Olga; o Eu Não Mereço Ser Estuprada, que era uma hashtag… aí eu repito talvez… com um pouco mais de ênfase o que eu já tinha dito. É curioso que, nos… se a Internet tem sido um espaço de circulação de violência e de humilhação, ela também tem sido um espaço de resistência.
E o papel dessas, dessas iniciativas individuais, que depois às vezes se tornam ONGs. A Chega de Fiu Fiu chegou à Defensoria Pública do Estado de São Paulo, fez uma campanha em conjunto com o Núcleo de Combate à Diversidade, o Núcleo de Combate ao Preconceito e o Núcleo de Combate à Violência Contra a Mulher da Defensoria Pública Estadual.
E tudo começou com uma iniciativa de amigas, jovens, que fizeram… Então, no… e no papel das redes sociais, no Facebook, assim… eu sou jovem, quer dizer, não mais pros escritórios do IBGE eu descobri outro dia, mas eu ainda sou jovem. Mas a geração que vem depois de mim, o acesso a informações sobre o que é o movimento das mulheres, a politização dessas mulheres, assim… o trabalho com educação popular é impressionante!
Eu, aos 17, aos 15 anos, eu nunca tinham ouvido falar em feminismo, em violência doméstica, em violência institucional, em delegacia da mulher. E essas meninas chegam com essas categorias, né, elas estão chegando às universidades. Isso tem trazido… a minha orientadora, Heloísa Buarque de Almeida, que esteve aqui ontem, que está ali… tem discutido muito a questão dessa visibilidade da violência de gênero nas universidades, sobretudo na USP, né, os trotes, as práticas de violência contra mulheres, que são naturalizadas, tratadas como tradição, festa, brincadeira e diversão…
E se isso está mais visível, e isso é uma hipótese da… da própria Heloísa, é porque essas pessoas, essas meninas estão mais politizadas e estão entendendo mais coisas como violência, percebendo mais o direito delas à integridade, ao consentimento, o direito delas ao próprio corpo. Isso é um ganho impressionante, né, que você consiga conversar com pessoas tão jovens.
Outro dia eu fui chamada por um colégio particular aqui de São Paulo, por meninas de 15, 16 anos, pra discutir se menino podia ser ou não ser feminista. E os próprios meninos queriam dizer que eram feministas e as meninas diziam: não, homem é aliado, não é feminista. E aí, elas queriam conversar com alguém mais velho, mas era um grupo de pessoas de 15 anos.
E uma das meninas mais inflamadas dizia: eu, desde que comecei a militar… e eu pensei; nossa, quando ela começou a militar? Uau! E… mas isso me encheu de orgulho e me encheu também de otimismo, né.
Então, as redes sociais, mais do que as mídias tradicionais, elas têm esse papel, eles potencial, na verdade, não papel. O potencial subversivo, de resistência, de empoderamento das mulheres se unirem em redes, eu estou em vários grupos no Facebook de “mulheres unidas contra tal coisa”, onde meninas contam…
Eu cheguei a, essa semana, a acompanhar uma moça que teve o celular roubada e ela foi chantageada pela pessoa que roubou o celular, falou: “olha, eu tenho fotos suas de biquíni; se você não pagar tanto, eu vou mandar pra toda a sua lista de e-mail.” Ela falou: “ah, é um blefe, né, não vou pagar”. E aí, a pessoa fez isso. Chegou ao chefe, ela quase perdeu o emprego…
Fui com ela… acompanhei, na verdade, a ida dela à delegacia de crimes digitais aqui em São Paulo, que disseram: “ó, não é com a gente não, a gente aqui só, só faz BO se você comprou algo na Internet e não chegou”… enfim.
E a questão dos meninos, né, eu uso o exemplo dos garotos desse colégio que queriam se dizer feministas, estavam se sentindo tão tristes das meninas dizerem: não, vocês podem ser aliados, não feministas. E aproveitando que ontem o Matthew esteve aqui, né, que foi um privilégio ouvir o Matthew, acho que a gente tem que discutir masculinidades também.
Acho que a gente tem que discutir masculinidades também. Falar de gênero é falar de relação, não é falar só de feminilidade, só de feminino, gênero não é sinônimo de mulher, de mulheres. Muitas vezes a gente vê… violência de gênero também é violência contra a população LGBT, que é a população que não corresponde a norma imposta de gênero e sexualidade.
Isso é muito importante “distressar”, né, e a discutir masculinidade. Porque que… a gente constrói homens muito limitados, gêneros, as normas de gêneros limitam os nossos meninos. Menino não chora, menino não demonstra sentimento, menino não pode… dançar, menino não pode sentar e cruzar as pernas. Quando… os brinquedos que a gente dá pros meninos remetem a conquistas, à batalha, à violência, né.
JACIRA
Meninos não dividem sobremesa.
BEATRIZ
… espada. Menino não divide sobremesa, o irmão mais velho protege a irmãzinha, né. A masculinidade está associada à agressividade, está associada à expor o sentimento de maneira agressiva, violenta e… de ocupar o espaço público. De ocupar espaços de liderança e poder.
Esse sábado, eu estive num encontro de líderes mulheres e a gente estava discutindo porque tantas… tão poucas mulheres CEOs em espaços de liderança política. Porque nós, literalmente, somos educadas no gênero a… ao espaço privado, né, enfim, então a gente tem que discutir masculinidades, a gente tem que discutir criação de meninos. E eu vejo um cenário de mais garotos, de uma nova geração – eu posso estar sendo superotimista – mas um pouco mais sensível e… e vou terminar com o…
Ah, você me perguntou porque a vingança virtual condena a moça e não o moço, o rapaz, é por conta disso, né. O homem é… a masculinidade é estimulada à predação sexual, à conquista sexual. É um orgulho, você ter feito sexo, gravado e ainda mostrado pra todo mundo, você é um garanhão. A moça é culpada, ela é vulgar, ela não tem moral. Uma das meninas que se suicidou em 2013… ela deixou pra mãe um twit dizendo: “mãe, desculpa, eu não fui a filha que você queria, eu não fui uma boa filha”. Isso me comove toda vez que eu penso sobre isso.
Então, é aquela coisa: a gente tem que ensinar também aos nossos meninos uma educação de gênero igualitária e não ensinar meninas a não serem estupradas, é ensinarem meninos a não estuprarem, né. E é por aí que vai.
JACIRA
Perfeito!… Fátima, vou, vou agora ser bem rápida pra você falar e depois ouvirmos as questões trazidas por todas as pessoas que aqui estão e que também têm muito a dizer. Por que é que ainda essa reportagem que ganhou esse prêmio com… muito importante, porque ela é ainda tão pouca, por que ela conhece tão…? Aqui no Brasil, por exemplo, eu acho que não vou errar ao comentar, quem fez matérias aprofundadas sobre violência contra a mulher foram os Globo Repórter, aliás desde a década de 80.
Então, por que é que esse problema muito mais… ele é muito… ? Quer dizer, nós estamos tratando de um problema que é muito mais agudo do que as redações, do que as editorias de política, de comportamento conseguiram perceber até agora. Ele é ainda tratado como uma agenda, entre aspas, periférica. Quer dizer, algo que tem a ver…
Hoje no Brasil, nossos cálculos nos levam a isso, com as pesquisas de opinião, nós chegamos a… podemos pensar que a violência contra as mulheres que acontecem no ambiente privado das famílias devem chegar a 45% dos domicílios. Quer dizer, algo que está ali engendrando a educação das novas gerações, a visão de mundo das novas gerações e nós temos ainda um jornalismo e imprensa que não olha esse tema como um problema agudo que é, importante que é.
FÁTIMA
Eu acho que faz parte de uma vivência política retrógrada, ou seja, nós estamos ainda saindo de décadas anteriores, em alguns casos até ideológicos, mal saímos da década de 60, então eu acho que é mais ou menos isto. Eu vou explicar melhor:
Ontem, conversando com a ministra Luíza Bairros, eu comentei com ela o comentário que uma pesquisadora negra fez para um jovem jornalista, que defendeu uma tese de doutorado de ocultação de racismo através de um trabalho sobre o Mercado do Valongo e o cemitério dos negros recém descoberto, que foi escondido dos mapas da cidade, foi escondido para embelezar aquele espaço, ocultando a escravidão, que é uma prática internacional de tentar esquecer as coisas erradas.
Na publicidade, no jornalismo e na academia, esta questão, este corte ideológica obviamente arcaico, que é o seguinte: a… o pesquisador negro – e é isso que eu conversei com a Luíza e ela confirmou – é tratado pela academia, quando trata de assuntos de racismo, como militante. Eu sou do CONAR há 20 anos, esse mesmo CONAR que derivou daquela mesa patrocinada pela (?) e moderado pela Carmem Barroso, que a Clarice apresentou o trabalho dela.
No meio publicitário, no meio em que eu atuo, atuei durante muito tempo, até a década de 70 e foi quando eu entrei no CONAR, eu era vista como militante. Então, toda vez que se debatia na mesa, nos julgamentos do CONAR, uma publicidade ofensiva, a questão das mulheres, a minha voz era ouvida como militante e eu era publicitária, e publicitária num certo padrão, num certo nível, lá em cima.
Então, o que acontece na academia, o que acontece na mídia e o que acontece na publicidade… no jornalismo, essa questão de separar o jornalista… neutro do jornalista militante são barreiras de tipo ideológico que, vamos dizer assim, represam cada um pro seu lado. Isso é perfeito, ideal do ponto de vista do conservadorismo.
As esferas que produzem conflitos, que produzem mudanças, que põem em perspectiva novos modos de atuação, o ideal pro conservadorismo é que elas fiquem isoladas, cada um na sua gaveta. As militantes brigando, produzindo, denunciando; os jornalistas com uma visão neutra, com uma visão… E, isso não é, vamos dizer assim, isso é um truque velho, antigo, eu (gaguejou)…
Eu me lembrei quando discuti com a Luíza, essa questão da abolição no Brasil. A abolição no Brasil foi ocultada através de uma divisão muito clara entre propostas de… o movimento entre propostas de (?), de aprofundamento etc. e governos, a academia, que pesquisaram cada um na sua gaveta.
Então, eu acho que o grande instrumento do conservadorismo e que a militância feminista, antirracista, de meio ambiente cai permanentemente, aqui no Brasil, não mais no mundo. Você colocou a questão da coparticipação da… em vez de autor regulação e regulação, a correlação. O caminho é este, o caminho é um pouco… é um caminho de usar os instrumentos disponíveis, alguns num foco, alguns no outro, mas não dizendo; ah, CONAR é coisa da indústria e o CONAR diz: ah, feminismo é coisa de militância. Perfeito pra eles!
JACIRA
Marília, está com você, amiga. A Marília tem feito desde ontem um trabalho bem interessante, que só ela consegue fazer, que é reunir as diferentes questões trazidas pelas participantes e os participantes que estão aqui hoje pra fazer uma síntese pra nós, então a Marília… Nós já estamos avançadas e avançados no horário, eu vou pedir pra você, ela vai trazer algumas questões e alguns de vocês comentam.
MARÍLIA
Bom, foram muitas as questões, eu queria agradecer por todas que foram colocadas. Eu vou tentar, então, como eu fiz no dia anterior, fazer uma pequena, um pequeno agrupamento. Principalmente pra Roz e pra Bia, a questão da Internet nessa relação do público e do privado quando a gente fala: na questão da pornografia de vingança, por que chamar de pornografia de vingança quando foi produzido num momento de intimidade, de afeto? Quer dizer, a palavra pornografia não teria que ser questionada nesse elemento?
E a outra questão é: com relação à pornografia, a divulgação dessa pornografia nos grandes meios é o fator, mas também o que fazer com a pornografia que é veiculada pelas redes sociais? Quer dizer, como tratar essa questão da veiculação da pornografia e dessa, e dessa… violência na perpetuação dessa pornografia das mulheres quando ela circula entre amigos, né, e amigos que a gente pensa, são insuspeitos, digamos assim.
JACIRA
Ok, Marília, vamos deixar essas pras duas e depois você faz as outras. Eu vou pedir pra Roz e você, Bia, serem breves pra gente ouvir mais perguntas, por favor.
ROZ (SEM AUDIO DA TRADUTORA)
Eu acho que a palavra vingança em relação à pornografia, às vezes, pode ser, sim, enganosa. Eu acho que há questões relacionadas a consentimentos. Você pode consentir em ter a sua fotografia tirada em uma experiência sexual num momento erótico, mas você não consentiu com a divulgação daquela imagem ou daquele vídeo.
Então, eu diria que você deve concordar com a divulgação das suas imagens e das suas imagens sexuais. Então, não há importância se você concorda com a foto que foi tirada naquele momento, isso é uma coisa diferente.
A Internet é uma coisa fantástica, é possível compartilhar muitas informações ali, mas eu acho que toda capacidade de quem mexe com as mídias sociais é algo desafiador. É preciso mudar as regulamentações, nós devemos insistir para que isso seja feito. E existe também uma pressão. Nós devemos fazer pressão, devemos pensar em quanto é importante para os homens e meninos fazerem isso. Nós devemos encorajá-los, fazer uma pressão pra que eles não divulguem esse tipo de informação.
Às vezes, há um grande desafio aqui. É difícil conversar com os homens sobre isso, será difícil pedir para eles abrirem mão desse poder, de certa forma, mas é preciso fazê-lo, de uma forma que eles consigam entender. É importante traduzir as mensagens, fazer uma análise da masculinidade, explicar pra eles o que é.
Isso deve ser feito de maneira que eles possam entender. (?) é um poeta, escreveu um dos “poetas” mais poderosos que eu conheço sobre ser criança e sofrer violência doméstica e assistir as pessoas queridas serem espancadas. E aqui, nós devemos celebrar o tipo de homem que não escolhe trilhar esse mesmo caminho.*
BEATRIZ
Eu vou tentar rapidinho. É claro, o termo pornografia de vingança – que eu tenho problematizado na minha pesquisa – a gente pegou emprestado do inglês, do revenge porn, né, que é um termo que circula nos Estados Unidos desde a década de 80, em que.. começaram a existir em revistas masculinas, em revistas eróticas, sessões chamadas gofriends, em que os homens mandavam fotos de suas namoradas.
Eram publicações, né, em papel; a gente não sabe, não tem informações até que ponto algumas mulheres descobriram e foram atrás de reclamar sobre isso e desde o início da Internet, dessa WEB 2.0 em que as pessoas podem mandar conteúdo, né, o pornô amador é uma categoria. A gente tem que tomar cuidado pra não confundir. Nem todo pornô amador é uma violência, a gente não sabe como é que foram as decisões tomadas ali.
Mas pornografia, né, é um termo a ser problematizado em qualquer… cenário ou em vários… e ele acontece em vários contexto, né. Em algumas situações, como a que a Roz mostrou e que mencionou do (?), a gente pode pensar em gagging(?), que é a que envolve enforcamento ou envolve outras…
A gente tem que pensar em alguns momentos muito associado à violência, o sadomasoquismo, que envolve uma disputa de…, na verdade, um jogo, um acordo de consentimento, é uma… essa é uma categoria muito difícil, cheia de significados muito politizados, que a gente tem que estar o tempo inteiro pensando pra também não ficar moralista e condenar práticas de prazer que podem ter sido consentidas entre dois adultos.
E a última coisa, eu acho importante na pornografia de vingança, questionar o termo pornografia, questionar vingança, porque… e as pessoas que circulam esse material para além da pessoa que iniciou, quem continua o círculo, quem continua mandando, né? Não é só o cara que está tentando se vingar e a gente não questiona essas outras pessoas que dão vida a esse material circulando na internet, né.
Então, acho muito importante porque não diz respeito só ao casal ali nem aos profissionais de direito, né, diz respeito a todo mundo que recebe, né, e ao invés de mandar um e-mail pra moça dizendo: eu sinto muito, serei testemunha se você for dar parte, passar adiante ou dar risada, né. Então é isso.
JACIRA
Marília, eu te peço um minutinho, porque o Markun conseguiu algo importante pra nós e ele que vai apresentar.
MARKUN
Imagina! Bom, o Glenn gravou pra gente um curto depoimento, que ele, como vocês sabem, não pode comparecer. Então, a gente vai assistir aí o recado dele direto da Carolina do Sul.
JACIRA
Parabéns, Markun, que desde ontem está tentando.. que teve essa ideia e tentando essa importante participação do Glenn.
GLENN SMITH (SEM ÁUDIO DA TRADUTORA)
Olá, eu sou Glenn Smith, da Carolina do Sul. Eu espero que a conferência de vocês esteja sendo produtiva em São Paulo. Eu gostaria de estar aí, mas ocorrências além do meu controle evitaram que eu estivesse presente. Me pediram, porém, para eu falar alguns minutos sobre a série Até que a Morte nos Separe, que ganhou prêmio Pulitzer de serviços públicos.
É uma honra, nós nos sentimos extremamente agradecidos pela premiação, eu quero falar sobre a série. Nós começamos a trabalhar com ela em outono de 2013, quando a polícia de violência de Washington DC considerou a Carolina do Sul o estado mais mortal para as mulheres nos Estados Unidos pelas mãos dos homens.
E a Carolina do Sul estava já há 50 anos entre os 10 estados onde havia mais mortes e, por 3 vezes, havíamos sido considerados o estado número 1. E nós nos perguntamos o porquê isso ocorria e porque não havia uma preocupação mais séria em relação a isso.
Passamos meses viajando pela Carolina do Sul, falando com vítimas, polícia, juízes, políticos, falando com todos em que conseguimos pensar que pudessem nos explicar toda a situação política, econômica, todas as razões pelas quais isso estava ocorrendo na Carolina do Sul. E de… fizemos descobertas terríveis!
Descobrimos que mais de 300 mulheres haviam morrido ali por mãos dos homens, por meios violentos. É mais do que os soldados que moraram nos… no Iraque e no Afeganistão combinados. O assassinato de mulheres ali foi o dobro da média nacional e foi determinado também que uma razão pela qual tivemos tanto problema é que havia pouquíssimos recursos para as vítimas ali.
Havia 46 abrigos para animais, um para cada condado no nosso estado, mas havia apenas 18 abrigos para ajudar mulheres que haviam sofrido abusos. Legalmente, também tivemos problemas também, descobrimos que 60% desses, desses casos em que haviam.. onde havia sido aberto um processo, as penalidades não era graves.
Pela legislação, você pode ficar preso por 5 anos por maltratar um cachorro, mas você fica poucos dias se você espancar a sua mulher ou a sua namorada. Nós tentamos descobrir também o que estava errado com as nossas leis e descobrimos que, ao longo dos últimos 10 anos, dezenas de medidas contra a violência doméstica com as mulheres havia morrido por falta de ações dos legisladores.
Elas iam para os comitês e nunca saíam, nunca eram aprovadas. E descobrimos que seria bom compartilhar as nossas descobertas. A reação foi imediata. Os legisladores, os juízes, os procuradores decidiram fazer mais, se reuniram pra falar mais sobre isso, sobre como aprovar recursos e educação, aumentar as penalidades.
O plano foi muito bom, eles iam retirar o porte de armas daqueles que haviam sido condenados por abuso doméstico, haviam… iam melhorar a educação nas escolas sobre isso e aumentar as penalidades para… aqueles que cometiam abusos. Foi muito bom ver a resposta que houve à divulgação da nossa série, a mensagem para a mídia.
Nós somos uma operação pequena no grande esquema das coisas. Temos cerca de 80 pessoas trabalhando e uma circulação de 80 mil exemplares. Só as grandes organizações podem trabalhar com esses projetos normalmente, mas não se você realmente quiser contar histórias de grande importância.
Nós conseguimos trabalhar de maneira dura enquanto equilibramos as outras coisas. Vocês podem fazer isso também. Às vezes, as histórias parecem óbvias, estão na frente de vocês, como a violência doméstica. Ninguém vê escrito sobre isso muitas vezes. É possível sempre dar uma olhada nas coisas sob um novo prisma, é uma grande oportunidade para trazer mudanças.
Quero agradecer por vocês me ouvirem e por se interessarem pelo meu trabalho. Espero que vocês tenham uma conferência magnífica! *
JACIRA
Realmente, muito, muito importante e novamente, cumprimentar a equipe do Markun, que fez possível esse momento muito importante pra esse seminário, pra esse momento. Bom, incluo-o aqui nesse nosso debate nesses próximos… eu acho que nós podemos ter mais no máximo 20, 10 minutos, ok, 10 minutos no nosso debate.
Eu sempre converso sobre tempo com o Ivo, o Ivo comigo. 10 minutos, gente, vamos, rápido!
MARÍLIA
Bom, então, eu vou tentar fazer, assim, um super salto e vou tentar aglutinar todas as questões aqui. A preocupação, uma delas é… o Canela colocou aqui, que seria aprofundar um pouco mais, o jornalista ativista, né, quer dizer, como não falar de jornalismo ativista? Como não seria possível ser o jornalismo ativista um bom jornalismo? Quer, dizer, discutir um pouco mais essa questão, que é essa neutralidade, esse modelo de um bom jornalista se não dá pra se incluir um bom jornalista ativista.
E aí, voltando a isso também, a questão da relação dos jornalistas com a mídia, a divulgação dos casos de violência contra as mulheres, se você considera que fazer… e de Direitos Humanos, se fazer monitoramento desses casos é um esforço que vale a pena pra estar chamando a atenção da opinião pública nesse tipo de questão? E com isso também, na questão da opinião pública, influenciar outras esferas do poder, por exemplo, judiciário, que trabalha muito também na questão do censo comum. Então, trabalhar essa questão mais de perto.
E, num modo mais geral, falando também de mídia e propaganda, a questão que inquieta a todos. Quer dizer, como a relação de dos movimentos e da sociedade pode se dar com os grupos de mídia e de propaganda, né, fazendo essa reivindicação dessa negociação. Quer dizer, como a gente pode pedir pra se mudar a propaganda, se já existem esses mecanismos, como a gente pode estar acionando. E, principalmente, incluir pautas de, por exemplo, tratar de outras populações, né, de classes e também principalmente de raças.
No caso do Brasil, é muito marcante que é uma população branca, né, como se só os brancos consumissem. Então, mais ou menos isso aí.
JACIRA
Você terminou?
MARÍLIA
Mais ou menos. Ainda tem alguns, mas eu acho que pra 10 minutos… Desculpa, gentem mas é o que dá pra gente.
JACIRA
Eu vou, eu vou começar essa rodada com a Fátima, e rapi… e com a Roz, e eu vou pedir, em termos de… a segunda parte que ela trouxe.
MARÍLIA
Desculpa, Jajá, só mais uma importante que eu tinha separado aqui, perdão. Uma pergunta que inquietou é o seguinte: como garantir pra população, né, a mesma liberdade de expressão nas mídias que as mídias se dão ao direito de terem junto à população. Então, isso foi uma questão que foi levantada por mais de um participante e colocando, inclusive, a democratização da mídia.
Quer dizer, como falar de autor regulamentação para algo que não é ainda democratizado. Então, pra colocar essa questão pros painelistas.
JACIRA
Questões muitos simples, que sempre aparecem num debate. Eu ou passar a palavra pra quem se sentir… obviamente, tem o Canela envolvido, a Roz e a Fátima e vou pedir pra vocês serem breves, eu sei que não é fácil. Quem começa?
FÁTIMA
Eu começo. Eu começo porque já existe esse instrumento no Brasil. O CONAR é uma organização que está no Brasil e fundada… modelada na ASA, que também é um organismo de autor regulamentação e tem trabalhado através de denúncias, apenas denúncias, ela não faz uma fiscalização. Como não existe na sociedade civil um equipamento de fiscalização, de prevenção, de queixas etc. Porque isso está mais voltado pra produtos, tipo PROCON, produtos mais do que comunicação… chegam poucas demandas no PROCON.
No ano passado, em 2014, a questão de, por exemplo… que interessa muito às mulheres, saúde e problemas ligados á comunicação de saúde representaram 30% das denúncias feitas. De todas as denúncias feitas relativas ao PROCON, comerciais, sociais, 40% das denúncias resultam em tirar a campanha do ar, ou seja, em bloquear essa comunicação. Por quê?
Porque o CONAR é formado por anunciantes, veículos e a sociedade civil. Eu, por exemplo, estou no bloco da sociedade civil. Esta, esta reação a… esta adoção de normas, porque tem todo um código de atuação etc., tem a ver com uma coisa que interessa muito a eles, embora não tenha interessado até agora a nós. Por quê? Porque a eles é fundamental uma coisa que todo especialista de comunicação sabe, nós estamos vivendo uma crise no Brasil por causa disso, a questão da credibilidade.
Então, uma propaganda enganosa, que passa efetivamente – a Jajá colocou muito claramente a questão do feminismo como uma propaganda insultante – denigre a… o anal de comunicação, denigre… o instrumento que eles têm de comunicação publicitária. Então, o CONAR é um mecanismo de autodefesa da indústria que nós podemos aproveitar, claro, porque gera um debate enorme cada anúncio que é julgado. O julgamento do CONAR é feito com membros das 3 áreas.
Com relação ao… eu vou passar pro Guilherme, que ele tem uma vivência do outro lado muito interessante, muito mais importante do que eu, mas… volto antes a lembrar que jornalistas militantes fizeram no Brasil o melhor do jornalismo que existe.
A questão é não serem visto como militantes. Então, pensando agora em feminismo. A Diniz, do Anis, produz conteúdos do melhor jornalismo, sendo feminista. Ou seja, depende de como o olhar que se tem em relação à nossa militância, à nossa visão em relação à sociedade em geral. Nós, em geral, falamos muito mais pro nosso segmento. Porque nós somos muito articulados em termos de função, em termos de projetos ao Estado. Então, nem sempre é cômodo pra nós falarmos de processos que, no Brasil, tem avançado bastante no plano do Estado, no legislativo e, sobretudo, no executivo. Esse é uma questão muito, muito importante, que nós ainda não fizemos uma reflexão em profundidade em relação a essa questão.
Mas eu vou citar dois nomes aqui, com relação ao jornalismo, que foi demitido várias vezes, que nunca conseguiu se fixar, mas que lançou a primeira coluna que foi a crítica de mídia: Alberto Dines. Ele fundou na universidade de Campinas o observatório de imprensa, que hoje agrega dezenas de jornalistas fazendo uma crítica permanente, diária, na… no site deles e na TV pública, TV Brasil.
Outro jornalista que eu citaria, que criou, que esteve no centro da revista investigativa mais importante que este país já teve e, desta revista, surgiram outras revistas, a Revista Realidade, que fez um estudo em 94, se eu não me engano, sobre a condição da mulher brasileira, que é absolutamente inédito… inédito, que é bastante… que antecipou, que é vanguardista etc. O bom jornalismo, o jornalismo que pode ser militante, mas com forte conteúdo jornalístico, ele é de fato rejeitado pelas redações.
Raimundo Pereira, criador do Opinião, criador do movimento, hoje tem a Revista Brasil, tentou ao longo da sua vida – ele ainda está muito ativo – montar pequenos jornais autônomos. Nunca teve das militâncias do momento, por exemplo – isso foi no combate à ditadura – e portanto, ele nunca teve o apoio, a visão, com relação a essa possibilidade de militar através do jornalismo que vende em banca, comercial etc.
E a terceira questão é: por onde pode passar esse tipo de jornalismo hoje? Pela TV pública. Então, realmente se gasta muita energia em combate a certos veículos comerciais – combate devido e correto – do que reforçar a TV pública. Então, nós temos instrumentos e eu… repetiria e eu fiquei muito… impactada com o que ela disse, quer dizer, usar os meios disponíveis, não só os nossos canais próprios.
Dou um chute pro Guilherme pra ele ou contrapor ou contradizer ou continuar.
JACIRA
Você vai me perdoar, mas tem uma zagueira aqui e eu vou… ai, adoro futebol, vocês também? É, eu vou mostrar pra vocês como o Instituto patrícia Galvão é um instituto democrático e eu vou discordar um pouco da Fátima Jordão sobre o CONAR. Como isso aqui está sendo gravado, transmitido online, na minha visão, como ativista, como alguém que acompanha o tema, tal, tal, eu diria que o CONAR, a meu ver – e nós já conversamos muito sobre isso, não é uma novidade- é demais corporativo, demais lento e não leva as nossas intervenções, as nossas interpelações a sério.
E Fátima, você que está no CONAR, vai ver que a cada ano nós temos mandado menos casos pro CONAR. Nós, de verdade, diante da resistência, da falta de sensibilidade do CONAR, nós já desistimos do CONAR. Nós estamos… fazendo nossas denúncias pela Internet, através de jornais, através de reportagens, mas o CONAR, depois de nós atuarmos junto a ele de mais de uma década, nós dizemos: CONAR, CONAR, se você acha que tudo que a gente interpela, vem um publicitário, um anunciante e diz que é lúdico, que nós não estamos entendendo nada, etc. e tal, nós vamos continuar nessa posição.
Me perdoe vocês que acreditam que a gente não deve desistir. Do CONAR, eu enquanto feminista, já desisti.
GUILHERME
Muito rápido porque são tantas coisas, muitas coisas inclusive das quais a gente não… a gente não falou, por exemplo, de merchandising social em telenovela, que é outra discussão superimportante pra essa agenda, enfim… mas os debates continuam. A coisa da Internet tem um monte de problemas que estão rolando por aí e precisa discutir, responsabilidade de intermediários, neutralidade da rede, mas enfim, a gente segue com isso.
Agora, sobre duas questões importantes que foram colocadas aqui. Rapidinho sobre a autor regulação: não só no setor de mídia, em vários setores autorregulados, a há a falsa impressão que a autor regulação tem a seguinte definição: eu faço do jeito que eu quero e ninguém tem nada a ver com isso. Isso não é conceito de autor regulação.
Um dos problemas de vários órgãos autor reguladores – e tendo a pensar que é um problema do CONAR – é que são pouco transparentes em informar a população que a população tem esse direito de se queixar. O dia que eles tiverem, no horário do Jornal Nacional, um 0800 dizendo: você pode se queixar da publicidade, eu acho que essa coisa vai poder funcionar.
Enquanto for uma coisa secreta, Fátima, eu acho que… secreta nesse sentido: muito pouca gente sabe do que pode fazer, dos direitos, de como funciona, mesmo nesses direitos autorregulados. Mas isso não é um problema só do CONAR, é um problema de várias instituições autorreguladas e não só no Brasil, em várias partes do mundo.
Sobre o jornalismo. Pra deixar claro a posição. Ainda que eu jornalista não queira ter filho, goste só de tartaruga, não estará fazendo bom jornalismo se não falar da agenda da infância num país que tem mais da metade da população nessa faixa etária. A discussão é: a militância pode ser boa ou pode ser ruim, bem-vindos os que são, mas não importa se você gosta ou não gosta da agenda. Este é um tema, a violência contra as mulheres, que está dentro da perspectiva de fazer bom jornalismo.
Ainda que você não seja feminista e não sei que coisa. Porque enquanto a gente continuar achando que só o jornalista que tem uma criança com deficiência na sua casa vai fazer jornalismo sobre pessoas com deficiência, nós vamos fracassar, sinto dizer. E nesse sentido, eu não sei exatamente o que a Fátima quis dizer, mas tenho problemas com essa agenda porque o que os Direitos humanos necessitam, além de muitas outras coisas, mas do ponto de vista da liberdade de imprensa é de bom jornalismo.
Ainda que os jornalistas não sejam feministas, não sejam do movimento da infância, não importa. Não é possível tirar o verniz das coisas num país como o Brasil sem discutir violência contra as mulheres, sem discutir a agenda da infância etc. Independente das posições ideológicas, políticas, o diabo que seja desses profissionais da imprensa. Agora, se além disso, eles também são militantes, ótimo, mas isso tem a ver com outras esferas.
Como diria o Gabriel Garcia Marques no seu Melhor Ofício do Mundo, jornalismo é jornalismo investigativo, é aquele que tira o verniz das coisas como dizia o Perseu Abramo. E vocês viram no depoimento do Glenn, ele deu aí em 2 minutos uma aula do que é fazer uma boa matéria investigativa e em nenhum momento falou: eu, porque a minha mãe teve um problema, eu sou mais sensível a isso. Poderia ter sido e poderia não ter sido, igualmente o que ele fez deu uma grande contribuição porque fez bom jornalismo.
Esse é um ponto. Agora, sobre a questão da democratização e da imprensa etc., enfim, muitas das pessoas que me conhecem aqui sabem que eu tenho muitas coisas publicadas sobre isso, eu não vou ter tempo de entrar nessa agenda. Mas eu queria chamar pra reflexão só uma coisa que é importantíssimo nessa discussão: o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos em nenhum momento fala de liberdade de imprensa, fala em liberdade de expressão.
A liberdade de imprensa é uma liberdade importante derivada da liberdade de expressão. Qual é o nosso problema? O artigo fala em 3 verbos, o direito de transmitir informações, ideias, não sei o quê, por qualquer meio ou plataforma, que é o que protege a liberdade de imprensa. Mas o artigo não faz diferença entre os dois outros verbos, que é o direito de receber e de buscar informações.
E o que nós precisamos fazer pra fazer essa discussão de maneira séria é fortalecer, de maneira cada vez mais evidente, que nós não podemos dizer que o verbo transmitir é mais importante do que buscar e receber informações. E a discussão está aqui, o eixo central… e ainda mais esse ano, que são os 10 anos da convenção sobre a diversidade das expressões culturais, é ter mais pluralidade, mais diversidade, ter mais liberdade de expressão. Pra mídia, mas pra todos nós. Obrigado!
JACIRA
Eu quero agradecer ao Guilherme, à Beatriz, Fátima, Roz por esse importante momento, pro Glenn, lá na Carolina do Norte e a cada um e a cada uma de vocês, voltamos… Carolina do Sul, desculpe. Brigada, Bia! Voltamos às duas horas em ponto, por favor… Hã? Duas e trinta. Voltamos às duas e trinta em ponto, gente, por favor!