Painel 2: “Elementos para uma Cultura de Não-Violência contra as Mulheres entre Jovens”, do Seminário Cultura de Violência Contra as Mulheres (SCOVAW) 2015.

Moderadora: Juliana de Faria, jornalista, blogueira feminista, editora do blog Think Olga e coordenadora da campanha Chega de Fiu-Fiu.

Painelistas:
– Maria Luiza Heilborn, professora associada do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e pesquisadora do Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos.
– Matthew Gutmann, professor de Antropologia na Brown University, pesquisador sobre masculinidades no Colégio de México.
– Heloísa Buarque de Almeida, professora do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

 

TRANSCRIÇÃO

MESTRE DE CERIMÔNIA

Agradecemos Marai Larasi pela sua importante contribuição,. Na sequência, agora, teremos o Painel 2, lembrando que, durante o debate entre as painelistas do painel 2, as pessoas podem fazer… o público pode encaminhar as suas perguntas por escrito para as moças da organização. E também para a palestrante Marai Larasi que voltará, após o Painel 2, para responder as perguntas sobre a sua apresentação.

Então, vamos ao Painel 2, Elementos para uma Cultura de Não-Violência contra as Mulheres entre Jovens. Para ser moderadora desse painel, convidamos Juliana de Faria, jornalista, blogueira feminista, editora do blog Think Olga e coordenadora da campanha Chega de Fiu-Fiu.

Para compor o painel, convidamos Maria Luiza Heilborn, professora associada do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e pesquisadora do Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos.

Convidamos Matthew Gutmann, professor de Antropologia na Brown University, pesquisador sobre masculinidades no Colégio de México.

Convidamos Heloísa Buarque de Almeida, professora do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

JULIANA DE FARIA

Oi, boa tarde a todos! É uma honra e um prazer poder moderar esse debate tão importante ao lado de grandes nomes da área de debate de gênero. Eu agradeço imensamente o convite do Instituto Patricia Galvão e Vladimir Herzog. Bom, eu sou a Juliana, meu relacionamento com o tema é a campanha Chega de Fiu-Fiu, que luta contra o assédio sexual em locais público. Será que alguém aqui já ouviu falar sobre a campanha? Mãos pro alto… Yes! Demais! Que ótimo!

Bom, é uma campanha que luta contra esse tipo de violência e que ainda não é bem compreendida pela nossa sociedade. Mas nossa companha é de conscientização, então a ideia é justamente de falar, falar, falar, falar e repetir até que uma hora as pessoas possam entender… até aqueles que não entendem ou que não queiram entender, né.

A gente vem fazendo esse debate de várias formas, usando várias ferramentas desde a criação da campanha… vai fazer dois anos no meio do ano. Então, desde… pela arte, com algumas ilustrações que a gente costuma divulgar; uma pesquisa que fizemos também, com 8 mil mulheres falando como elas se sentem com relação a esse tipo de violência, o que elas deixam de fazer, como… quais são os resultados desse assédio a vida delas… Nós criamos um mapa colaborativo, que eu gostaria de convidar a todas e todos a conhecer.

Então, a gente usa a plataforma Google, ou seja, qualquer pessoa pode acessar o mapa e fazer uma denúncia do que sofreu de violência de gênero ou testemunhou. Ou seja, homens também podem fazer um pin ali, pra gente realmente mapear o Brasil inteiro e entender o que está acontecendo. E, por fim, a gente vai lançar também um documentário sobre assédio sexual.

Uma das nossas diretoras está aqui, é a Amanda. Nossa produtora Camila também está aqui, uma outra ferramenta, uma outra forma de discutir esse tipo de violência. Nossa mesa, então, Elementos para uma Cultura de Não-Violência contra as Mulheres entre Jovens, vai falar sobre diversos tipos de violência de gênero, incluindo esses que eu falei, né, que a gente, como sociedade, às vezes resiste a entender como violência, né, então como o assédio e também como a violência online.

Então, a gente vai tentar discutir algumas ações e soluções objetivas pra essas violências. Mas antes, gostaria também de convidar os painelistas a apresentarem um pouco sobre eles mesmos, os trabalhos e suas provocações, que não… por favor, peço que sejam em 10 minutos… porque a gente sabe, tem boatos aí que todo mundo assinou um contrato que não pode passar de 10 minutos, quem passar vai ter que pagar uma breja pra todo mundo aqui…

Bom, eu gostaria de pedir que vocês começassem, por favor, na ordem: primeiro Maria Luiza, seguida pelo Mathew, depois a Heloísa.

MARIA LUIZA

Alguém já disse, não dá pra fazer os agradecimentos senão corta muito o tempo e tem um relógio terrível aqui na nossa frente, chamando a atenção de quanto a gente perde. Mas sintam-se todos elogiados e benvindos todos ao debate.

Primeira coisa pra eu chamar atenção é que essa mesa aqui é composta por antropólogos. Então, a gente tem uma visão um pouco diferente, por exemplo, de outras pessoas que já nos antecederam aqui falando sobre o problema de violência contra a mulher ou o problema da agressividade ou violência por parte dos homens, né.

Eu tive a oportunidade de fazer parte do comitê que pensou um pouco esse projeto e uma das coisas que eu sempre chamei atenção é que propriamente eu nunca estudei a violência contra mulher, embora já tenha trabalhado em Brasília no Conselho Nacional dos Direitos da Mulher há muitos anos atrás, exatamente responsável sobre essa área.

Mas o que eu estudei todo o tempo foi, há muitos anos já, gênero e sempre sob uma perspectiva de pesquisar homens e mulheres. Não dá só pra estudar as mulheres, tem que estudar homens e mulheres simultaneamente, porque isso é uma relação. É uma relação de poder, mas é uma relação em que ambos agem, ambos atuam e é necessário que a gente verifique isso.

Uma das coisas que nós já conversamos aqui foi sobre a ideia de… pelo menos duas ideias sobre a desigualdade de poder entre os gêneros, né. De um lado, se falou muito em patriarcado, que não é a minha praia e eu não tenho adesão teórica a essa linha. E a outra foi mencionada pela Rita Segatto sobre o mandato masculino, o mandato de poder.

Eu prefiro utilizar uma discussão sobre o tema da masculinidade e da cultura juvenil da violência ligada às ideias do Cornell sobre… ou da Cornell Now sobre masculinidade hegemônica. O que que está se falando quando a gente trabalha com a ideia de masculinidade hegemônica? Exatamente da mesma maneira que a gente chama atenção de que há uma diversidade das possibilidades de ser mulher, também há uma diversidade das possibilidades de ser homem.

Só que existe um modelo de masculinidade a cada contexto cultural, que varia e que valoriza determinados traços e atributos. No caso brasileiro – e isso respondendo um pouco à Lori – o que que caracteriza a nossa, digamos, o modelo de masculinidade hegemônica no Brasil?

Basicamente, em função de avanços que aconteceram na nossa sociedade, as mulheres têm acesso à educação maior do que os homens hoje em dia, as mulheres são mais escolarizadas, nós já somos 44% do mercado de trabalho, nós temos leis que foram – não sei se vão dançar agora com o novo legislativo conservador – mas em que nós temos igualdade de direitos na constituição do domicílio conjugal. Nós temos uma… não temos problema de herança diferencial.

Nós temos uma série de situações muito mais favoráveis do que aquelas apontadas para o resto do sul global, né, que é África e Ásia. Então, nós estamos numa situação, a América Latina tem diferenças, mas bastante mais favorável. O que acontece em relação à masculinidade hegemônica no Brasil – se é possível falar em brasil essa generalização tão grande assim – é ligado à conduta de honra. A conduta de honra que tem especificamente a ver com a conduta das mulheres com as quais esses homens e esses rapazes se relacionam.

Ou seja, isso posso dar uma aula sobre cultura mediterrânea, valores sobre honra e vergonha etc. e tal, mas basicamente o que caracteriza a ideia da masculinidade hegemônica é que ele tem que ter controle sobre a conduta sexual e moral dessas mulheres; a mulher não pode ofender a honra masculina.

Então, frequentemente o que acontece nas diversas formas é que um homem precisa mostrar que é macho toda vez que ele controla sua namorada, sua esposa de alguma maneira. E obviamente que esse modelo de masculinidade hegemônica subalterniza outros modelos de ser homem no mundo. Subalterniza, por exemplo, homens que não são aguerridos, violentos, no sentido de ethos, de guerreiro,  ethos viril, da força física, um homem mais fraco, que não gosta de meter-se em confusão.

Ele tende a ser subalternizado pelos outros homens que gostam desse modelo mais musculoso, Schwarzenegger, que foi mostrado aqui em uma imagem. E em segunda coisa é o seguinte: em relação à cultura juvenil, isso aparece de uma maneira muito específica, que é, na passagem da… idade infantil para a juventude, digamos, entre a adolescência e a juventude, o que… um dos processos, um dos rituais mais importantes para a constituição da identidade masculina é a iniciação sexual.

Iniciação sexual essa que pode ser feita com uma mulher – evidentemente a grande maioria se faz com mulheres – mas pode ser feita também com uma pessoa do mesmo sexo. Mas aí já estamos nas masculinidades subalternas, né. Bom, as… essa iniciação sexual é muito curioso, porque a primeira coisa que um rapaz faz ao ter sua iniciação sexual – isso é uma característica bastante brasileira – é sair contando pra todo mundo, porque ele prova que ele é um homem.

E mais ainda, não só ele conta pra todo mundo – em geral as meninas contam pra uma amiga, eventualmente pra mãe, ou mantém em segredo – mas o homem tem que tornar aquilo público como uma forma de virilidade. Esse ethos, esse modo de estar no mundo, faz com que, frequentemente, quando os rapazes percam uma namorada, por exemplo, a namorada dispensa ele, ele vai colocar no meio virtual as cenas que foram fotografadas entre eles e acabar com o nome, a fama da moça.

Ele vai… destrata-la dessa maneira, que é uma maneira de violência simbólica. Não foi uma violência física, mas é uma violência simbólica sobre um ato mantido entre duas pessoas. Então, o que é importante chamar atenção, a primeira coisa é a seguinte: é que, frequentemente, eu como uma feminista histórica, tenho o maior cuidado em não falar “todos os homens são agressivos”. Nesse sentido, eu discordo da saudosa Heleieth Saffioti, eu não acho que todo mundo, todo os homens são, mas nem todas as mulheres também são boazinhas, entendeu.

Esse é um ponto importante. E essa ideia de que controlar a vida sexual e moral, barra, moral das mulheres é o que constitui o cerne da masculinidade no Brasil. É por isso que chama tanta atenção os casos de quando alguém… a mulher toma a iniciativa de desfazer o laço amoroso, entre porrada e eventualmente assassinato, gente. E isso, de fato, não tem fronteira de classe.

É só lembrar o caso daqui, que eu esqueci o nome do, do… o Doca Street foi o primeiro caso, que era um, era um coisa… o Lindomar Castilho, mas aquele cara que se formou em advocacia conseguiu, assassinou a mulher nas costas, deu dois tiros, num lugar de quitação e ficou livre. Ele simplesmente foi adiando todos os processos e ficou livre.

Se tivesse “feminicídio”, os jornalistas, se tivesse feminicídio, a lei do feminicídio, esse cara já estava na prisão, percebe. Pimentel, exatamente… Pimenta Neves, desculpe, estou chamando um Pimentel aí qualquer, desculpem aí. Bom, o relógio já está baixando terrivelmente e o que eu queria chamar atenção, portanto, é que tem modelos teóricos diferente pra tratar a questão da desigualdade de gênero.

Ela existe, ela é real, ela vitima as mulheres sim, mas não é em todos os casos, não é em todos os casos. É bom chamar atenção, alguém tinha… Eu estava lá atrás de manhã, quando a Lori estava mostrando, dizendo: ah, no Brasil só tem 11% de casos de perpetração de violência contra a mulher comparativamente a outros países. É verdade, é muito menor do que em outros países, mas ainda assim é muito alto.

E é necessário mudar essa cultura de macho, de dono, proprietário de uma mulher e qualquer coisa que ela faça fora do script que ele tem na cabeça, que mantém como honra masculina dele tem que ser mudado. Qual é a minha proposta? Eu acho que a Lori tem muita razão em dizer que ações individuais não dão conta de mudar isso. Eu acho que tem que ser coisas baseadas em comunidades, em escolas, em programas e campanhas.

Mas eu acho outra coisa, que a minha antecessora, palestrante mencionou, que é mudar o sexismo da mídia. E como mudança do sexismo da mídia, eu estou me referindo não apenas ao que os jornais reportam, as novelas mostram etc. e tal, mas sobretudo, há uma coisa que entra subliminarmente na nossa cabeça que é a propaganda. A propaganda e aí eu vou mencionar dois casos no caso brasileiro: a propaganda de cerveja…

Só, todo mundo sabe o que que acontece. As mulheres bebem cerveja. Álcool no Brasil é uma forma de sociabilidade também para as mulheres, que é uma coisa importante chamar atenção, e ninguém sai por aí batendo em ninguém depois que bebeu umas cervejas, né.

Quero problematizar a perspectiva da saúde pública, que sempre vê um acelerador em relação a isso. E a segunda coisa: chamar atenção da propaganda de automóveis, em que o automóvel está ligado à extensão do pênis masculino e à violência de trânsito, que sabe-se perfeitamente que quem mata no trânsito são homens de 18 a 35 anos.

Então, há maneiras, eu estou só chamando atenção porque não é só violência contra a mulher, isso está associado a uma violência estrutural da sociedade brasileira, que precisa ser pensada de maneira sinergética e mudar mídia, que a controle apenas dos anunciantes é uma… é uma das tarefas que o movimento social deve colocar em sua agenda. Obrigada!

MATTHEW GUTMANN

Boa tarde! (?), obrigado! Desculpem, não falo português. Então, este… vou falar em espanhol, tá bom. Espanhol ou inglês, que preferem? Espanhol? Então, eu vou falar bem devagarinho, ok. E, por favor, quando vocês fizerem os comentários e críticas também vocês vão ter que falar em português bem devagarinho, ok. Muito obrigado!

Alguém me ajuda aqui por favor, eu não sei… Agora sim, vamos lá!

Os homens são animais e… há muito tempo, a cerca de 60 anos, uma famosa filósofa francesa, Simone Du Beauvoir, escreveu… escreveu que, para entender a mulher é importante o corpo feminino, mas, disse ela, eu insisto que o corpo feminino não é o seu destino. Eu acho que, de certa forma, hoje em dia, em muitos países do mundo, lamentavelmente e de forma não oportuna, o corpo masculino para muitas pessoas é o seu destino. E quero falar aqui disso.

Então, em inglês dizemos… os homens são assim mesmo, é uma piada. Eles fala de algo inato, algo da biologia, algo que não se aprende se não se nasce dessa forma, de certa forma. E nós podemos procurar um exemplo e eu tenho aqui algumas cifras dos Estados Unidos, mas eu entendi que aqui no Brasil também mais ou menos são as mesmas cifras que vocês tem aqui, não é verdade.

Entre ou a cada 10 homicídios, são 9 homens e 1 mulher. Isso é muito importante, devemos entender isso, que homens matam 9 vezes a outros homens e também matam mulheres. O que aconteceu? Ah, o slide não era esse, mudou totalmente. Bom… eu não sei o que aconteceu, mas essa parte vermelha… essa parte vermelha deveria ser bem pequeninha lá em cima e para os homens…

Obrigado. E a parte vermelha para as mulheres quase não é visível. Então, nós notamos que com os homens… nós notamos com os homens essa parte vermelha, mas não no gráfico das mulheres. Ao mesmo tempo e agora, esse desenho é totalmente oposto à realidade… se nós virmos uma parte vermelha lá em cima bem pequeninha, nós temos que explicar se é algo biológico, algo natural.

A violência dos homens porque… porque não são mais os homens que matam, então se nós vamos falar da violência masculina – nós estamos aqui para falar entre outras coisas da violência masculina – nós também temos que falar dos não violentos.

E porque eles são não violentos ou pelo menos algumas vezes não e outras vezes sim. Na cidade do México, em São Paulo, no Rio ou em algumas outras cidades do mundo, há vagões no metrô para as mulheres, exclusivos para as mulheres. Não sei aqui no Brasil, mas parece que há um debate sobre isso, não. No México há um debate sobre a separação de homens e mulheres.

Algumas pessoas dizem que não dá para controlar os homens. Perdão, que os homens não podem se controlar, então as sociedades e as mulheres têm que controlá-los. Outras, principalmente as feministas, dizem que é uma ideia… uma má ideia, não é uma boa ideia, porque é uma forma de aceitar que eles são assim.

Então, é melhor prendê-los e castiga–los e nós temos que mudar as ideias e práticas, o comportamento masculino… pra evitar que chegue ao assédio sexual. Então, vale a pena pensar na natureza do assédio sexual ou não aqui ou em outras cidades e também  no Rio. Bom, e fora do metrô, também no México, na cidade do México, no metrô e também há táxis exclusivos para as mulheres.

Nós podemos pensar que realmente essas ideias da biologia se referem a uma… na verdade, são uma falta de conhecimento científico, porque eles não são assim biologicamente. Aqui nós temos um problema, porque há um debate inclusive entre os cientistas. Na minha próprio universidade há um biólogo que dá aulas e alguns estudantes nas suas aulas ficaram bravos, ficaram bastante bravos com o professor e me enviaram um slide para mostrar a vocês.

Esse é um slide da aula de biologia na universidade de Brown, de onde eu venho, onde o primeiro slide fala sobre os animais não humanos e o combate de machos. E as fêmeas que também têm que escolher, como se os machos dissessem, sim, sim, sim, eles vão passando os machos e eles vão dizendo sim, sim, sim e a fêmea diz não, não, não, talvez esse e outro não, não, não. E outra vez é algo natural conforme o biólogo, é algo dos animais em geral.

O último slide é esse aqui, onde há uma foto, uma fotografia do futebol americano, onde os jovens machos… combatem entre eles e eu não sei, aqui, se há esse tipo de jogo, mas eles… vocês entendem o que é esse combate? Há uma forma de ser mulher pela sua natureza e outra maneira de ser macho por natureza.

E entre os insetos e os outros animais. Nós mais ou menos temos o mesmo instinto natural. Eu acho que essa ideia é uma das mais perigosas. Nós também temos lamentavelmente uma crise horrível nos Estados Unidos. Os coitadinhos dos homens estamos sofrendo…. testosterona… Nós não percebemos a crise até recentemente e… em 2012 a venda havia chegado a 2 trilhões de dólares destes medicamentos para aumentar a testosterona.

Em 2017, os Estados Unidos querem chegar a 5 trilhões ou acham que vão chegar a 5 trilhões de dólares, porque os coitadinhos, os velhinhos como eu não temos mais tanta energia e… naturalmente nós teremos que fazer uma reposição de testosterona. E para terminar, eu gostaria de agradecer-lhes novamente. Para concluir, muito obrigado!

HELOÍSA BUARQUE DE ALMEIDA

Boa tarde a todas! Eu também vou fazer um agradecimento rapidíssimo! Muito obrigada pela oportunidade de estar aqui, né, esse é um momento emocionante também pra gente. Bom, eu sou professora de antropologia, trabalho com gênero na Universidade de São Paulo e eu entendi que me chamaram pra falar aqui um pouco, num painel de juventude, pra tratar um pouco do problema que a gente está enfrentando na universidade, que a Ana Flávia já contou um pouco e é disso que eu vou falar.

Como a Malu, eu pesquiso gênero há alguns anos e venho encontrando a violência nas nossas pesquisas sobre gênero, mas eu não tinha focado especificamente na questão da violência, embora agora eu “estou” sendo obrigada a fazer isso, né, por questões da universidade. Mas ou menos em março do ano passado, eu assumi um programa que chamava USP Diversidade, que era um programa pra combater, né, o racismo, a homofobia, a LGBTfobia, pra ser mais ampla e o racismo na universidade.

E comecei a me dar conta, então, da quantidade de problemas que a gente está tendo na universidade, que não são problemas só da USP, são problemas de várias universidades no Brasil e, pelo que eu tenho conversado com as pessoas de várias universidades, em outros lugares também.

A gente pode agrupar, basicamente, em algumas questões. Uma das questões são os chamados trotes, o ‘hazing’ americano, ou seja, alguns cursos têm, principalmente os cursos de medicina do estado de São Paulo, mas não apenas, vários cursos mais tradicionais e mais antigos, incluam-se Direito, Engenharias, Agronomia, Veterinária, Odontologia… são cursos que têm…

Embora seja proibido em várias universidades, tem uma portaria lá que diz que é proibido o trote, são cursos que têm a prática institucionalizada, enraizada do trote. O trote “são” formas de violência, nem sempre violência física, mas inclui também a violência física, muitas vezes baseado em metáforas de gênero, raça, sexualidade.

Mas o problema que virou mais escandaloso foi que, junto com os casos de trotes, o ano passado, a gente teve uma enormidade de denúncias de violência sexual na universidade entre colegas, né. O imaginário sobre o estupro no campus era antes o imaginário da rua escura, né, do estupro que acontece da pessoa desconhecida.

E agora, o que a gente está enfrentando na universidade são os inúmeros casos de violência sexual entre pessoas que se conhecem, entre colegas, né, entre amigos, entre namorados, né. Obviamente a gente tem outros problemas, esses estupros parecem repetir um certo padrão da violência sexual na sociedade brasileira, né, é uma violência mais comum entre pessoas que se conhecem, né.

E, obviamente, nas faculdades em que há trotes, parece que são os casos mais escandalosos que a gente tem, que são aqueles estupros que têm a ver com dopar a menina, estupros coletivos, “boa noite, Cinderela” , esse tipo de coisa. Mas mesmo nas faculdades mais liberais, onde não há trote, por exemplo, na FFLCH, na Faculdade de Filosofia onde eu dou aula, a gente tem denúncia de estupros entre colegas, né.

O que tem nos chocado não é o fato deles acontecerem. E o que ganhou um escândalo o ano passado na mídia, inclusive na CPI da Assembleia Legislativa, é que as universidades lidaram mal com esse tipo de coisa. Então, não só a USP, mas várias das nossas universidades, mas eu vou falar da USP, algumas unidades da USP souberam desses casos, esses casos “chegou” ´s diretorias e esses casos foram abafados, esses rapazes não foram punidos, muitas dessas meninas desistiram da faculdade, outras foram até o fim, mas ficaram doentes, tiveram vários problemas…

E o que nos assustou como professoras da área de gênero, que nos mobilizou, eu, Ana Flávia e outras pessoas, foi a questão de que a universidade estava agindo mal. Então, a universidade, que deveria ser o lugar de ponta de combate desse tipo de desigualdade, desse tipo de violência, a universidade que deveria ter uma missão civilizatória, a gente imagina, não é, estava abafando esses casos.

Algumas pessoas me perguntam: mas aumentou a violência, isso acontecia quando eu era aluna na USP? Eu lembro de entrar na USP e… me encontrar num lugar que tinha tanta liberdade sexual, inclusive pros nossos amigos que não eram heterossexuais se assumirem etc., né, e a gente não sabe medir, porque a gente não tem dados do antes e do depois, é muito difícil.

Mas o que eu queria comentar com vocês é , de fato, o que está acontecendo nesse… uma espécie de crescente de denúncias, nem sempre denúncias formais… Muitas pessoas nos procuram, muitas alunas nos procuram pra contar casos que elas não querem denunciar formalmente, que elas não querem chegar na delegacia, que elas não querem fazer uma carta pra virar uma sindicância. E a gente tem respeitar a vontade das pessoas, porque ser… fazer o processo formal é um processo que a pessoa é exposta, que a pessoa aparece.

E acho que a gente não tem mecanismos eficientes ainda nas universidades pra lidar com isso, é preciso mudar os mecanismos formai, legais, inclusive de apuração e de punição desse tipo de caso, né. Mas o que acontece também, que eu tenho pensado, é que há uma mudança de sensibilidade.

Pesquisando, lendo muita pesquisa com mulher, fazendo etnografias, fazendo trabalho de campo, o que eu acho que está acontecendo agora e que é uma questão pra gente pensar importante, porque tem a ver com a transformação social, é o fato de que há uma mudança de sensibilidade que me parece bastante geracional.

Ou seja, a gente vê um crescimento dos coletivos feministas, não só na universidade, mas na internet também, mas na universidade isso é patente, isso é visível, né. E essas meninas estão chamando de violência, estão chamando de estupro, estão chamando de abuso sexual coisas que antes elas falavam: ah, ele forçou a barra; ah, eu não queria, mas aconteceu; ah, eu bebi demais, não sei o que aconteceu, eu me sinto culpada.

E agora, elas falam: não, mas será que eu sou culpada? E isso permite visibilizar os casos, que eu acho que é parte da questão, né. Eu acho que a gente tem um problema muito grande ainda nas universidades, de lidar com tudo isso. Quer dizer, além dos trotes, além dos estupros, a gente vê uma série de desigualdades naturalizada exatamente na universidade, que é o racismo, que é o machismo, a piadinha machista em sala de aula, que é a piadinha homofóbica em sala de aula, que é o assédio sexual de professor com aluna. Pelo menos, os casos que eu ouvi são mais esses.

A gente teve casos de estupro contra rapazes também, é preciso dizer, não é. Então, tem isso de feminilizar um corpo masculino que está fora do padrão, né. Os trotes fazem muito disso. Uma das práticas dos trotes lá da Medicina é o tal do pascu, esse pascu é passa pasta de dente no ânus da pessoa, então a gente pode chamar isso de estupro também, stricto sensu, né.

E eu acho que a gente precisa pensar em novos modelos pra lidar com esse tipo de problema, né. A gente precisa pensar em modelos, por um lado, modelos de acolhimento e de encaminhamento das vítimas para grupos de apoio psicológico, pra atendimento médico-psicológico. No caso da USP, a gente tem que mandar pro hospital Pérola Byington, a gente não tem um bom atendimento no hospital universitário por exemplo.

A gente tem que mudar em termos jurídicos a estrutura de apuração e de punição dos casos, ainda é muito complicado. Em várias universidades, eu vejo essa demanda. Os nossos processos, nossas comissões e nosso regimento foi feito pra outro tipo de problema.

Então, por exemplo, a gente chega na frente de uma comissão sindicante, a gente quer fazer do melhor jeito, a vítima tem que contar o caso na frente do seu agressor por exemplo, né. E a gente não tem como mudar; se a gente fizer diferente no processo, corre o risco do processo ser anulado.

Então, a gente se vê, mesmo como professor tentando mudar, armadilhas, eu diria, kafkanianas, parece um livro do Kafka, né, que a gente não sabe muito o que fazer. E, por fim, a gente precisa pensar claro, né, em modelos educativos, em campanhas, em debates, na discussão sobre consentimento que falamos há pouco. Ficou muito claro, com alguns casos da universidade, que a grande questão é a questão da noção de consentimento.

Muitos desses casos de violência sexual acontecem nas festas, festas em que todos bebem, em que várias pessoas usam drogas também etc. E muitos desses abusos acontecem diante de uma menina que, por exemplo, bebeu demais e não tem condições de reagir. Que está dormindo, que está desacordada ou que não está totalmente desacordada, mas ela está incapaz de reagir, né.

E aí, os rapazes, por questão dessa masculinidade hegemônica, de achar que os homens têm que ir lá e se aproveitar, como é que eu vou perder essa oportunidade?, eles se apoiam em abusar de uma mesma colega, né.

Então, muitos dos casos que aparecem, aparecem por causa dessa dificuldade de entender também o que que é noção de consentimento. Às vezes, os rapazes, não sendo processados, eles não entendem o que que eles fizeram de errado, né, o que é bastante assustador pra gente, mas que é uma coisa que a gente tem que pensar.

Então, entender a questão do consentimento, que tem que ser um consentimento ativo, que não basta… estar parada, quer dizer que ela está topando, não é. Mas a gente está vendo esse tipo de problema. E a gente está vendo um problema maior, mais difícil de lidar que eu acho, que não é só… não só pensar campanhas educativas e programas de educação para os nossos alunos, mas como fazer isso em relação aos nossos funcionários e aos professores, né.

Então, a gente tem um problema de uma naturalização, não é, da piadinha machista em sala de aula, em determinadas faculdades, e a gente tem que pensar o que que isso significa, não é, que tipo de reforço um professor dá quando ele fala; ah, as meninas estão aqui procurando marido e coisas assim.

Inclusive, a gente teve um professor que até colocou: porque foi denunciado, porque mexemos nisso, ele até colocou no programa dele, quem tiver uma sensibilidade para piadinhas machistas, que não venha no meu curso. Se o professor acha que tem legitimidade pra colocar no programa dele isso, tem algo errado que a gente tem que olhar.   

então, eu estou trazendo esses dados pra vocês, há várias questões inúmeras que a gente tem que pensar, mas eu acho uma questão para o nosso debate, interessante, é pensar que mudança de sensibilidade é essa, o que que está acontecendo – que eu acho que é positivo – que é, certa forma de violência em que, muitas vezes, as vítimas se sentiam culpadas, né, falavam: fui eu que errei, fui eu que bebi demais, quem mandou eu ir na festa, quem mandou eu estar de minissaia, quem mandou eu participar aqui dessa folia, não é… elas estarem olhando isso e falar: não, eu fui vítima de violência, né.

Há uma mudança, que me parece uma mudança de sensibilidade e agora, o nosso desafio, é mostrar isso pros nossos gestores, que são de gerações mais velhas, que o fato da menina estar na festa de minissaia não quer dizer – e um professor me perguntou isso, ele perguntou assim: professora Heloísa, essas meninas que aconteceram isso, elas se dão ao respeito?

Então, quer dizer, a gente ainda tem que mexer numa moralidade sexual, num imaginário que imagina que o mundo das mulheres se dividem em dois tipos: as mulheres pra casar e as mulheres pra transar, não é. E é isso que a gente achava que, desde os anos 70, já teria mudado, é como se a década de 60, 70, não tivesse passado pela universidade, não pela cabeça de alguns dos nossos dirigentes.

Então, esse é o desafio que a gente está vendo e que, inclusive, nos levou a fazer a rede de professoras que a Ana Flávia já falou aqui, não é, porque a gente sente que há mais desafios a… mexer na estrutura própria da universidade. Obrigada, é isso!

JULIANA DE FARIA

Oi, bom, pessoal, como eu falei, eu estou superfeliz de participar de uma mesa que tem esse recorte de juventude, mas eu tenho 30 anos, né. Claro que idade é um pouco relativo, mas o que eu decidi fazer? Eu peguei algumas questões de leitoras da Olga e apoiadoras do Chega de Fiu Fiu pra trazer pros painelistas.

Então, muitas delas já esbarram no que vocês falaram na apresentação, mas eu acho que a gente pode tentar aprofundar. Acho e eu vou começar, então, com o debate da publicidade. Então, publicidade, jornalismo, cinema, TV, todos esses canais de comunicação, eles não são apenas mensageiros, eles são também a mensagem, né. E eles trabalham com retratos estereotipados da mulher.

Então, ela é hipersexualizada, objetivada, idiotizada. Como que essa mensagem fomenta a cultura da violência e quais são os impactos sociais dessas mensagens?

A gente via receber, então, a Marai Larasi, que acabou de fazer uma palestra, pra também participar aqui das nossas questões. Só falta uma cadeira.

MARIA LUIZA HEILBORN

Publicidade… É inacreditável… bom, primeiro, a gente sabe que toda publicidade de cerveja, que é uma bebida nacional muito apreciada no Brasil, né, pra quem é de fora e de consumo de ambos os sexos, isso é importante chamar atenção. Mulheres bebem no Brasil sem grandes problemas de alguns anos pra cá… Elas sempre mostram uma mulher extremamente sedutora, numa posição provocante e só os homens bebem, consumem, consumem, consomem, perdão, a cerveja e tudo é feito de maneira a que aquela mulher gostosa – como nós chamamos no Brasil – atraente, ela faça com que os homens bebam mais cerveja. Muito bem.

Uma das coisas que chama atenção é exatamente de que maneira é necessário mudar… tem um horário pra exibição na televisão, um pouco mais tarde, mas de qualquer maneira, controle parental sobre… uso de TV ou de imagem na internet é um mínimo de balela. A gente sabe que as crianças são mais a fim de ficar na internet e vendo televisão fora do horário em que os pais não estão em casa ou que não podem controlá-los etc e tal.

Então, pra mim, essa é uma das imagens mais candentes de objetificação, de figura que a mulher fica idiotizada e que ela serve de atração sexual e que se pode fazer cantadas. Então, tem uma agora que é uma moça que vende uma determinada cerveja e ela é chamada “vem, Verão”. Ela é Vera, e aí Verão é uma mulher portentosa, seios enormes, e aí “vem, Verão”, “vai, Verão”, que é uma brincadeira com o Summer, né, na nossa língua. E aí, essa mulher passa o tempo inteiro… e outras mulheres vêm disputar, controlar o marido que está paquerando o Verão e Verão vai e volta com a cerveja. Esse é um dos casos.

O segundo caso é uma cerveja chamada Devassa, que já houve vários problemas em relação à cerveja Devassa. E assim vão todos os imaginários sobre cerveja, né. Eu não estou dizendo que não tem que fazer propaganda sobre cerveja, eu acho que tem umas proibicionistas que podem querer que haja essa interdição. Não, o que eu quero é que, de fato, haja pressão de movimento social, organizado pra pensar em interferir sobre o conteúdo dessas mensagens.

Porque isso, de fato, objetifica as mulheres. A segunda coisa que eu queria chamar atenção é sobre a de automóveis. Fora o carro, o carro familiar, né, que são as mulheres hoje em dia que escolhem o carro da família, que isso é muito importante, a mensagem é, tipo, você tem um carro e tudo de bom vai acontecer, você vai cantar todas as mulheres com esse carro potente, o que, na verdade, é uma loucura, porque nós estamos tentando reduzir o número de mortes dentro do trânsito.

E no Brasil se morre muito em acidente de automóveis que são produzidos por homens, gente. Raramente as mulheres estão envolvidas em acidentes fatais. Na verdade, quem são? São os jovens rapazes que querem apostar corrida, ultrapassar em lugar proibido, uma série de coisas que vão mostrar virilidade e habilidade em conduzir um automóvel.

Essas imagens são fundamentais de serem mudadas, porque que nós estamos fazendo campanhas pra redução de mortes no trânsito e, ao mesmo tempo, deixando as companhias que fazem imagens produzirem imagens de que o carro veloz é aquilo que faz dele um homem. Ora, tenha santa paciência! Não é possível que, simplesmente, não haja um conselho e algum tipo de… isso é autorregulado, as companhias de publicidade se autorregulam.

E que não haja da parte do Estado medidas que possam intervir e chamar atenção de que isso é contrário às políticas públicas em relação ao controle do carro. Eu estava começando… comentando há pouco, né, explicando pra alguns estrangeiros. No Brasil, as mulheres têm um bônus nos seguros dos seus carros por dirigirem de maneira mais prudente.

Ora, as próprias companhias de seguradoras percebem que, de fato, há um padrão de comportamento, que é produzido nos homens, não é que… eles não vão aprender a dirigirem, saíram… naturalizando, saíram como insetos e já querem sair correndo com os seus automóveis. Não, aquilo é vendido como modelo de virilidade e, portanto, nós temos que mudar essas imagens. Essas imagens têm que ser mudadas de maneira muito intensa.

Vou só chamar atenção de um último detalhe: numa novela que passou tarde da noite, 11 horas, na Globo, a Paula… Paola ou Paula de Oliveira apareceu com um fio dental – que é um tipo de biquíni brasileiro, brazilian style – um fio dental, praticamente nua, que causou grande alvoroço na imprensa. Mas o melhor de tudo foi o seguinte: o namorado rompeu com ela depois, porque ficou envergonhado que o corpo dela foi exposto.

Ora, que direito ele tem de discutir que o corpo dela foi exposto numa coisa que ela decidiu fazer como atriz? Eu só quero chamar atenção sobre… como, na verdade… e deu-se muita divulgação a esse, a esse episódio. Só pra chamar atenção de que milhões de instâncias do plano da cultura, da cultura entendida aí agora como meio de entretenimento e… televisão e mídia, acabam por reforçar esses estereótipos da ideia de que um homem detém o poder sobre as mulheres, né.

Essas são mudanças culturais que eu acho possíveis de serem feitas e mudar a percepção… e o modo de construção da masculinidade na nossa sociedade.

JULIANA DE FARIA

Perfeito! Mais algum comentário?

MARAI LARASI

Uma das coisas que e preciso considerar é o que está sendo vendido. O que está sendo vendido é uma expressão específica de masculinidade que diz que se você quer ser o tipo de homem, esse homem forte, capaz, se você quer ser um guerreiro, ter potência sexual, você tem esses produtos à sua disposição.

Às vezes, as pessoas dizem que sexo vende. Não é o sexo que vende, são os corpos das mulheres que fazem essa publicidade e promovem essa dimensão plana da masculinidade. Eu não estou dizendo que os homens são coitadinhos, mas esse é um espaço de operação que nós criamos para os homens. É um espaço unidimensional.

Você tem que dirigir um carro esportivo, você tem que ser agressivo sexualmente para ser um homem de verdade, você tem que assistir aquela pornografia gonzo que eu mencionei, você tem que mostrar que, se você não faz esse tipo de coisa você é frágil, você é fraco.

Eu concordo com você. Nosso tipo de reclamação sobre esse tipo de coisa. No Reino Unido, a gente tem uma agência de padrões publicitários e tem uma feminista que reclamou de publicidades, ela conseguiu derrubar algumas publicidades.

Eu tenho uma filha, minha filha é feminista, meu filho agora, ele sempre tinha me dito que não ia falar com o trabalho de justiça social, mas agora ele finalmente se dobrou a isso. Então, quando eu olho o mundo pelos olhos do meu filho – eu sou mãe dele – eu comecei a ver o que ele via e não apenas o que a minha filha via. As coisas que atraíam ele e diziam: você tem que se comportar assim, é assim que você prova que você tem validade.

E eu quero que a gente não venda o corpo das mulheres como commodity, mas também que a gente não veja a masculinidade como commodity, uma commodity que possa ser consumida e que diga: é assim, um homem de verdade é desse jeito. Eu quero uma dimensão muito ampla dos homens reais.

MATTHEW

Bom, estou totalmente de acordo que é muito importante não enxergar as possibilidades de ser homem de uma forma muito estreita. Ao mesmo tempo, durante décadas e décadas, tivemos – eu me considero feminista, então nos debates feministas, eu me considero feminista – nós tivemos um ponto importante no que se refere a se os homens os homens aproveitam a violência, se os homens aproveitam as desigualdades sociais.

E algumas feministas falaram que todos sofremos no final das contas. E eu acho que, de certa forma, isso é verdade, mas, ao mesmo tempo, é muito importante também reconhecer que nos relacionamentos de poder, aqueles que têm mais poder não querem perder esse poder. E é importante, em cada movimento, é importante em cada movimento que precisa (?) o poder daqueles que já estão, que detêm o poder.

HELOÍSA

Eu acho que a mídia e a publicidade realmente é um lugar que a gente deve olhar com mais cuidado, eu já trabalhei bastante sobre isso, mas, enfim… Eu acho que trabalhando sobre isso, uma coisa que a gente tem que questionar é exatamente como a mídia… Quando eu entrevistava publicitários e gente que trabalha no meio publicitário… quando entrevistava perguntando porque, por exemplo, tem poucos negros na publicidade norte-americana, eles… na publicidade brasileira, desculpe, eles falavam: não, mas hoje em dia tem muito mais.

Então, eles operam muito com aquilo que eles acham que é senso comum aceito na sociedade, né. Então, eles têm um senso comum que é esse senso comum de que o lugar da mulher é esse lugar da sedução, do objeto sexual ou, então, da dona de casa, né, que cuida das coisas etc.

E aí, eu acho que tem algo que, que… está operando aí nesse, nesse mecanismo né, né. E obviamente, isso não é só no Brasil, né, mas que… é imaginar que a publicidade só tem que operar com aquilo que é aceito socialmente e que o que ela… e não parar pra pensar o que que está sendo visto como aceito socialmente, né. Eu acho que essa é um pouco… a questão. Não sei se…

JULIANA

Só pra completar também, dividir com vocês uma história. Tem um grupo de cineastas que “estão” fazendo um documentário, independente, sobre propagandas de cerveja e eles encontraram uma personagem, uma menina de 12 anos, que se chama Vera, que precisou sair da… teve que sair da escola dela, porque ela estava sofrendo dentro da escola, os mesmos assédios que a personagem Verão da propaganda… “vem, Verão; vai, Verão”.  Então, começa muito cedo, né, essa violência, muito forte. A gente acha que “ah, não, é só uma propaganda!”, mas não é, né, é a mensagem.

Tem outra pergunta também, as meninas gostariam que vocês falassem sobre a violência online. A internet é muito violenta pra todo mundo, a gente sabe, mas já tem pesquisas que mostram que ela é mais violenta com mulheres, porque as ameaças que vêm, elas são mais sexualizadas, sofrem ameaça de estupro, até mesmo assédio. Acontece muito com jornalistas e até já estão chamando isso de (?).

Mas também acho que, na juventude, isso é algo muito, muito comum como a Marai falou. Então, assim, são duas questões: 1) por que um home que não teria esse comportamento no mundo off-line, essas ameaças, essas grosserias, ele tem, ele se sente confortável pra ter esse comportamento no mundo online e como esse cenário pode ser mudado, nesse mundo off-line, q… nesse mundo online ainda, que… é tão sem regras ainda? Quem tiver uma resposta, eu agradeço.

MARAI LARASI

Ah, meu Deus, ok. Eu acho que algo aconteceu conosco em termos do espaço virtual. Nós podemos ver no Twitter, onde as pessoas dizem coisas que não diriam pessoalmente para outro. Nós acreditamos, de alguma forma, que isso nos permite ter um comportamento que antes seria considerável inaceitável, ou que nós consideramos inaceitável numa conversa pessoal.

É importante educarmos as pessoas sobre como devem se comportar no espaço virtual. Não há espaço virtual desconectado. Quando as pessoas dizem para os jovens: “seus amigos do Facebook não são verdadeiros”, são sim, são amigos verdadeiros. É preciso começara a entender isso… entre aquilo que nós entendemos que é real e o que virtual.

Existe uma área cinzenta agora e devemos começar a ter conversas com as pessoas sobre isso, porque senão, daqui a 10 anos, estaremos sentados aqui tendo essa mesma conversa e a situação, obviamente, será pior, porque nós não teremos cumprido o nosso papel educativo. Eu acho o seguinte: há algo que tem a ver com o que é preciso fazer com alguém se você for cometer um abuso; é preciso que essa pessoa seja considerada um objeto, é preciso desumanizar a pessoa.

E a Internet permite que façamos isso de formas muito específicas, permite que as pessoas desumanizem a pessoa que está sendo degradada. É possível fazer de conta que a pessoa não é um ser real.

Eu acho a Internet algo maravilhoso, mas nós não conseguiremos colocar um freio nisso, mas devemos poder intervir no espaço virtual agora. É preciso que a gente não se comporte mais como se isso não estivesse acontecendo. E pra quem trabalha com a violência contra as mulheres isso é fácil de entender.

Nós sempre falamos sobre o abuso emocional como algo tão importante quanto o que poderia ocorrer em termos de ataques físicos na vida de uma mulher. Os impactos emocionais e psíquicos de ser assediado ou vitimizado online, inevitavelmente serão semelhantes àquilo que uma mulher poderia vivenciar com ataques verbais, por exemplo, no contexto de um relacionamento íntimo ou de um assédio nas ruas.

É preciso pensarmos no espaço virtual como uma nova rua ou como uma nova casa e devemos pensar no que é necessário fazer para mantermos as mulheres e as meninas em segurança.

JULIANA

Ok, resolvemos, então, a questão do online. Uma outra questão que vem colocado muito em debate é a questão do bom senso para as meninas. Isso vem, de certa forma, violentando muito elas. Com a Olga, a gente acaba fazendo, a gente acaba fazendo algumas palestras dentro da escola, prestando alguns debates. E o que vem acontecendo é que muitas delas sofrem proibições de uso de roupas, enquanto os meninos não têm nenhum tipo de proibição.

E elas escutam muito dos superiores, dos professores, que é preciso bom senso. Mas o que é bom senso? Bom senso é a coisa mais sem senso do mundo, porque cada um tem um, né. Como que, como que a gente pode tentar debater isso da… dessa hipersexualização até do corpo de meninas de 12 anos, 11, elas não podem mais usar shorts em escolas, porque acreditam que, que já passam uma mensagem de, de sexualidade. Como que a gente pode tentar conversar com elas sobre essa questão do bom senso?

HELOÍSA

Esse bom senso está a menina se dar o respeito ou não se dar o respeito, né, está meio parecido; um outro jeito de dizer a coisa, né. Eu acho que, quando a gente fala da… é, é, é bem engraçado isso, né, colocar na menina a culpa pela hipersexualização do seu corpo, que foi a mídia mesmo que fez, não é, já que a gente estava falando da mídia.

Eu lembro que na década de… 80, 90, a Xuxa fazia um programa infantil, em que ela se vestia de shortinho… com uma roupa, assim, que a gente como uma roupa de prostituta – a gente já nem imagina isso mais, assim, mas enfim… Quer dizer, essa sexualização do corpo feminino é um efeito da mídia, não é um efeito das meninas, né. E, e, e as meninas são convidadas a serem…”gostosas”, né a serem… a serem… a se, a se sexualizarem.

Então, essa é uma questão que precisa ser pensada também, né. Em vez de pensar que a culpa é delas, é pensar o que acontece socialmente que leva a isso, né… como essa mensagem é lida. Porque isso é socialmente promovido pela publicidade, pela mídia, né. Então, como dizer agora que a culpa é do funk. Não, mas, quer dizer, isso veio muito… desde muito antes, né.

MARIA LUÌZA

Eu gostaria de chamar atenção que isso é, na verdade, uma “faca de dois legumes”, como a gente brinca em português, né. Porque, de um lado, as meninas também são instadas a se sexualizarem muito rapidamente como forma de atingir um tipo de feminilidade hegemônica. Da mesma maneira que nós estamos falando sobre estilos de masculinidade, também tem estilos de feminilidade, né, e que as meninas começam muito cedo a pintar as unhas, a usar esmalte, pintura, roupas que elas escolhem, que elas são instadas por um, um… consumismo alucinado.

Tanto que eu sou uma das apoiadoras da Lana, que é de controle sobre a publicidade que se dirige às crianças, justamente porque é alguma coisa que as empurra para o mercado e para o consumo meio desvairado, né, e com roupas que, na verdade, chamam a atenção de uma mulher adulta, né, quer dizer, que seriam passíveis de uma menina adolescente não tão ainda menina como elas, às vezes menos de 12 anos, né.

E é muito curioso porque essa roupa que é curta, que põe em evidência as nádegas, que vai botar as formas… é uma roupa que atrai as meninas também. Então, de fato, não é apenas alguma coisa de como ter bom senso pra não atrair o olhar dos meninos e, ao mesmo tempo, elas desejarem ser desejadas. Então, tem uma tensão aí, que é importante a gente pensar nas escolhas que as meninas fazem, mas em função de um ambiente cultural que vai valorizar aquele estilo de feminilidade como um estilo bem sucedido, aquele estilo que atrai o sexo oposto.

Então, é extremamente complicado, porque… que bom senso é esse, né… primeiro não existe… estou com a Heloísa, não existe bom senso. E ao mesmo tempo, tem também modelos de uma feminilidade aceita. Por exemplo, é só pensar nos casos de bullying, por exemplo, na escola, em relação a meninos e meninas gordas, que estão sendo rejeitados sistematicamente porque não estão cumprindo… chegando a um papel… um papel e um corpo considerado desejável.

Então, há várias… e veja só, bullying é uma questão absolutamente presente nas escolas brasileiras. E há muito pouco ainda que seja aceito em relação a isso. Só pra lembrar vocês, eu estive envolvida na… num projeto que foi financiado pela Secretaria de Mulheres também, Gênero e Diversidade na Escola. Esse projeto teve enormes repercussões no sentido de formar professores pra lidar com problemas desse tipo, né, seja, inclusive, gênero, estereótipos de gênero, homofobia e, evidentemente, a questão do racismo também, de relações étnico-raciais.

Teve toda a polêmica famosa sobre o chamado “kit gay”, por exemplo, que vocês sabem que vários deputados conservadores chamavam atenção desse material e como é que seria destinado e dizendo “eu não quero que meu filho vire boiola na escola”, né, por exemplo. E o material não era destinado às crianças, eram destinados aos professores para que eles pudessem enfrentar uma situação de homofobia e, sobretudo, a homofobia contra os homens, que é muito mais intensa do que a “lesbofobia” das meninas, muito mais vigorosa e… vigorosa e cruel nesse sentido com…

A gente tem níveis de assassinatos de gays no Brasil bastante altos, a gente sabe então… E esse assassinato de gays, gente, tem a ver com assassinato do feminino também, ele tem uma homologia com o assassinato de mulheres também, né. Então, só pra chamar atenção de como é importante a gente pensar no que que a gente está fabricando com a… na juventude e na infância, né.

JULIANA

Obrigada! Então, nós vamos abrir pras perguntas da plateia, certo. Marília, por favor!

MARÍLIA

Obrigada pelas perguntas! Realmente, estão chegando bastante perguntas e o debate está muito interessante. Então, vamos passar algumas aqui, que foram agrupadas. Falou-se aqui em modelos de masculinidade e foi mencionado modelos de feminilidade. E a í, a pergunta aparece: o que é ser mulher? E nesse contexto de ser mulher, quando a gente fala de cultura de violência contra as mulheres, como fica a questão das mulheres trans? Nesse contexto da violência contra as mulheres, falar trans, mulher trans, como os palestrantes se colocam nessa questão?

E, linkado à questão do trans também a questão da juventude “queer”. Quer dizer, nós estamos ampliando a questão de gênero e de definições de gênero como os palestrantes, então, se colocam. E, nessa ampliação de gêneros, quer dizer, a pergunta: a juventude está morrendo? Essa humanidade vai acabar? Quer dizer aqui, como combater, né, esse tipo de argumentação?

E pro professor Gutmann especificamente ,foi pedido que ele ampliasse uma pouco mais a sua crítica ao modelo biologizante da agressividade do home, quer dizer, então, por favor.

Com relação à Marai… foi pedido, marai, que você comentasse, por favor… no caso das interseccionalidades, né, como levar isso pro movimento, né, e pros debates dentro do movimento, a questão da interseccionalidade? No caso da representação das meninas negras, da imagem das meninas negras, como essas meninas negras podem estar criando outras imagens para si mesmas, se apropriando de alguns meios de comunicação que elas possam estar tendo essa autonomia?

E no caso, que já foi até mencionado pela professora Heloísa, a questão da exposição cultural, das crianças cantando funk e tudo o mais, no Brasil, tem os chamados Conselhos Tutelares, que tentam interferir e, assim, com ações, e o ECA, que é um Estatuto da Criança e do Adolescente, que tenta interferir quando algumas campanhas ou alguns atos são muito escabrosos, escandalosos. Como que é isso no Reino Unido, se existe alguma coisa nesse sentido?

E aqui, então também agora, voltando pra professora Heloísa Buarque, foi perguntado essa questão das investigações dos casos de assédio na USP, com que está acontecendo esse processo, se é um processo que está passando pelos meios legais, pelo sistema judicial legal ou se está sendo tratado simplesmente dentro da universidade e se esse tratamento dentro da universidade conta com a participação de homens e como está sendo a postura dessas representações.

E, para finalizar, né, já que estamos falando sobre instituição de ensino universidade, abaixar um pouco mais também essa discussão já na educação de base. Quer dizer, a questão de gênero na educação de base e a juventude, e a juventude dentro de um sistema de educação que perpetua violências de gênero, né, como que a gente pode estar sugerindo algum tratamento dessa questão de gênero dentro da escola, encaminhando pra uma educação mais plural e mais respeitosa à diversidade? Então, que seria, em resumo, isso.

Ah, um lembrete: nós estamos recebendo perguntas que a gente vê que encaixam em outros painéis, então pra… não fiquem aflitos que elas estão todas aqui, tá, guardadinhas nos envelopes. A gente vai retomar algumas delas, tá bom. Obrigada!

JULIANA

Quem quer começar?

MARAI

Ok, eu perdi uma das perguntas que era pra mim. As identidades trans parecem ter criado contestações no Reino Unido, por exemplo. O movimento feminista está dividido no meio, parece, em termos de espaços específicos pra as mulheres trans, espaços específicos para uma conversa que avalia o feminismo também através das lentes dos transgêneros.

Da minha perspectiva, uma mulher trans é uma mulher, isso nem sempre é aceito mesmo nos espaços feministas. Eu também, através do meu trabalho no Pacífico, aprendi a pensar muito nas identidades das pessoas. Por exemplo, em Samoa, onde há uma identidade do terceiro gênero, que sempre existiu, tem o seu espaço específico. E eu acho que há espaço para conhecimentos culturais, identidades diferentes…

Eu não sei qual é a experiência das mulheres transgênero no Brasil, mas o que eu sei é que não conheço uma sociedade onde as mulheres sofram violência como rotina especificamente por causa de serem trans. Então, nós precisamos incluir essa conversa e pensar o que devemos fazer em relação à prevenção da violência porque, mais uma vez, se excluirmos o significado disso em termos do que acontece com uma mulher trans que está andando na rua e que divulga o fato de ser trans.

Por exemplo, há muitos casos de mulheres trans negras que foram assassinadas. Então, é muito importante que essa conversa específica não seja excluída. Eu entendo porquê essas reclamações ocorrem, mas é preciso começar conversas de forma não tão polarizadas. Eu acredito que pode haver uma área comum nessa conversa e nós devemos ser desenvolvidos o suficiente pra encontrá-la.

MATTHEW

Eu me desculpo outra vez, porque eu estava escrevendo quando estavam fazendo as perguntas. Então, talvez, eu tenha perdido algo. Eu gostaria de fazer uma intervenção com um breve comentário sobre a roupa, porque eu dou aulas no curso de antropologia introdutória na minha universidade de vez em quando e nós sempre temos um dia, quando todos nós chegamos, professores e estudantes, com roupas inadequadas em termos genéricos e, para os rapazes, os homens, os jovens-homens, é muito mais fácil usar roupas que não é para homens, porque, para as estudantes, muitas vezes é mais difícil. E, quando elas se vestem de homem, é de uma forma muito sexy.

Às vezes, colocam até gravata, mas sempre me chamou atenção o fato de que, para os homens, é um tipo de brincadeira. E também há uma parte ou há uma certa homofobia entre os homens, mas para as mulheres é mais difícil encontrar isso. Ao mesmo tempo, se nós pensarmos nas mudanças do movimento feminista em todos os lugares, em todas as etapas e ondas, é interessante que a mudança em termos de roupa feminina e roupa feminina não mudou tanto nos últimos 30 ou 40 anos.

E todos os dias eu me pergunto porquê e eu não consigo entender porquê, mas vale a pena pensar nisso. Segundo, antes de responder á pergunta, eu gostaria de convidar todos os estudantes e as estudantes que estão aqui que estão procurando um assunto de estudo, um assunto para estudar, talvez seja óbvio que falta estudo sobre masculinidade de todos os tipos e nós temos que depender muito da nossa própria experiência na vida.

Porque todos nós temos experiência, claro, todos nós temos opiniões sobre esse assunto, mas em termos de estudo nós precisamos mais. E quem sabe alguns de vocês se interessem por isso.

Para o argumento biológico, 2 ou 3 exemplos, porque eu sou um antropólogo etnógrafo, então, para mim, nós podemos falar dos argumentos com base nos estudos de caso. E eu estava conversando com o Daniel… estávamos falando sobre um jovem… Quer dizer, o Daniel, que é um jovem de 19 anos, eu o conheci desde que ele nasceu; eu conheci a sua avó e toda sua família por muito tempo.

O Daniel viveu durante toda a sua vida, morou durante toda a sua vida numa favela da Cidade do México e estávamos conversando sobre a importância da natureza e da cultura. E o Daniel me disse: claro, em termos gerais, a cultura é muito mais importante com relação ao comportamento humano. Mas, veja, Matthew, há um caso interessante aqui na colônia, você conhece… aqui no bairro.

Você conhece a fulana? Sim, sim, conheço. Ela é mãe solteira. É assim que se fala em português? Então, é isso, mãe solteira. Você sabia que a sua mãe também foi mãe solteira e a sua avó e também a sua bisavó? Nesse caso, não é cultura, é genético. 4 gerações de mães solteiras não pode ser cultural. É, uma pessoa que cresceu na pobreza, mas para ele, ele aprendeu um pouco de genética na escola, estudou biologia mais avançada, mais avançada do que seus apaís e avós. Então, o termo “gen” faz parte do seu vocabulário normal.

Outra senhora lá do bairro… a nossa… a minha esposa e o nosso bebê voltaram para os Estados Unidos e eu encontrei a Norma no mercado e ela me perguntou se elas tinham ido viajar. Então, ela me olhou e disse: “ó, nós estamos vigiando, viu, nós estamos de olho em você.” Pra quê? E por quê? Então, ela me disse: “nós vamos também ficar de olho nelas” – eu não sei quem são elas, mas… – porque os homens não podem se controlar.

Como nós dizemos no México, para se… “não chore se te derem pão”, se você receber pão, não chore e coma. É como o sexo, os homens são assim, é a sua natureza. E ultimamente, um exemplo de outro lugar: um grupo de alcoólatras na Califórnia, nós sempre começamos a reunião em círculo e tínhamos que começar explicando porque estávamos lá…

Então, eu estava fazendo uma tese de mestrado e, essa noite, o Dênis começou e ele disse inicialmente: “Bom, eu sou o Dênis, eu sou alcoólatra, eu venho da Filadélfia e eu venho de antepassados alemães e por isso eu tenho que beber. Por causa dos meus antepassados alemães. E ele gritou: “ah, agora eu posso entender tudo, a minha metade é alemã e a minha outra metade é filipina, então eu tenho que beber por um lado e eu não aguento de outro lado”.

Então, eu pensei: nossa, agora eu entendi tudo. Porque eu tinha a ideia de que os filipinos não podem aguentar o álcool. Foi a ideia que eu tinha, como se… tivesse dentro do corpo uma guerra civil genética. Bom, eu espero ter explicado um pouquinho mais essa questão biológica.

HELOÍSA

São várias perguntas também. Eu acho que o ideal, perguntando sobre modelos, sobre mulheres trans, sobre juventude “queer”. Primeiro, a gente está tendo de fato também crescentemente na sala de aula a presença de pessoas que não querem se definir como binárias, né, nem homem trans, nem mulher trans, nem travestis, enfim, não sou nem só mulher nem sou homem e tal.

Eu acho que é… o ideal era justamente isso: que a gente tivesse muitos modelos de masculinidade, de feminilidade, de neutros, de trans, de… e que a gente pudesse circular, né, o ideal seria a liberdade. Mas… de algum jeito, é isso que eu quero crer, que há uma mudança geracional, né, as gerações mais novas estão colocando novas questões na pauta.

Agora, evidentemente, a gente ainda tem problemas. Então, no feminismo ainda é polêmico  a presença de mulheres trans, na universidade a gente tem questões disso, grupos feministas que estão agredindo as mulheres trans e eu estou tentando pensar isso de um outro jeito. Eu acho que mulher trans tem todo o direito de estar lá, é uma mulher também.

Nós fizemos o encontro, apoiamos o encontro de homens trans na USP também. Então, as pessoas que bagunçam um pouco a coerência de gênero, né, as pessoas que desorganizam, diria Gilget Butler, né, a coerência entre sexo, gênero e desejo, né, que não necessariamente estão num corpo feminino construindo… nasceu no sexo feminino, não é necessariamente feminina, né, e não necessariamente deseja homens pra sua vida sexual, são pessoas que normalmente sofrem muita violência.

Então, no Brasil, não só a homofobia, mas o Brasil é o país que mais mata travestis também, né, e pessoas que estão fora da norma. Então, eu acho que se a gente ampliasse as possibilidades e a gente tivesse menos normativas seria uma possiblidade libertadora em termos de gênero.

Quanto às investigações nos casos da USP, a USP é uma universidade muito grande. São cerca de 100 mil alunos, 15 mil funcionários, 6 mil professores, 50 unidades… Eu não sei tudo o que está acontecendo lá dentro. Uma das demandas que a gente teve foi exatamente tentar descobrir o que está acontecendo, a gente não tem dados estatísticos, a ouvidoria não tem dados estatísticos sobre os casos.

Então, a gente… falta muito a gente saber. Alguns casos estão tanto na justiça comum, viraram denúncias formais na delegacia, quanto na… as sindicâncias internas, o que a gente chama Sindicâncias Disciplinares, né, que não é a mesma legislação. Sindicância disciplinar a gente não vai avaliar se houve ou não estupro, porque a gente não tem essa categoria no regimento universitário. A gente só pode avaliar se houve uma falta disciplinar, é a única coisa que a gente pode avaliar.

Então, normalmente, se uma pessoa sofre uma violência, se ela me pergunta: devo denunciar? Eu falo: eu acho que tem que denunciar. Tanto na universidade quanto na justiça comum. Mas, infelizmente, a gente sabe que ainda são desafios grandes. E temos problemas, às vezes, em determinadas delegacias das mulheres. Porque as delegacias da mulher, vocês sabem, funcionam de segunda a sexta, das 8 às 6 da tarde.

Quando a gente sabe que a violência contra a mulher acontece muito mais nos fins de semana, à noite etc. Nem toda delegacia da mulher está bem preparada pra tratar os casos de violência sexual. O que a gente sabe também – muitas pesquisas mostram isso – é que se uma menina fala: eu fui estuprada, mas ela não…  não foi o estupro da rua escura, ela não foi espancada, visivelmente espancada, esse tipo de denúncia na delegacia costuma ser minimizado. Mesmo na delegacia da mulher, infelizmente.

Então, muitas vezes a pessoa fala: ah, mas o que que aconteceu? se você bebeu demais, né. Então, os mecanismos formais no caso desse tipo de estupro que está acontecendo com mais frequência nas universidades, que é o estupro entre pessoas que se conhecem, que se dá nos ambientes de festa ou de congregação, de sociabilidade juvenil: nas repúblicas, nas moradias universitárias ou nas festas, esse tipo de violência sexual ainda é minimizado pelas estruturas formais; seja a estrutura formal da universidade, seja a estrutura jurídica.

Então, o nosso desafio e… temos aqui as nossas defensoras do NUDEM e tal, o nosso desafio é também a gente estar trabalhando junto com a justiça, né, e pensar isso de outro jeito, né.  Se homens participam dessa sindicância, sim, muitos homens participam dessa sindicância, né, alguns são os nossos companheiros e outros, infelizmente, têm culpabilizado as vítimas, né. De fato, é importante chegar na escola, não só na universidade, começar antes.

O programa de Gênero e Diversidade na escola, nesse sentido, é genial, é fundamental! E eu conto pra vocês que uma vez, uma escola particular, onde estudam as minhas filhas, a professora do ensino… a coordenadora do ensino infantil, né, daquele da Educação Infantil, das crianças de 4, 5, 6 anos, pediu pra eu ir fazer uma palestra sobre gênero na escola para os pais das crianças de 4, 5 anos, porque ela achava que a gente precisava desconstruir os padrões muito duros e generificados, né, no caso de muitos pais que estavam constrangendo em uma escola razoavelmente alternativa, né, constrangendo os meninos, dizendo:

Menino não chora, menino não pode vestir roupa de princesa. E essa escola deixava os meninos vestirem fantasia de princesa, assim como, né deixava, enfim, não tinha separação de brinquedos de meninas ou meninos, tudo que a gente gostaria, né. Mas alguns pais estavam lidando com dificuldade com isso, né.

Então, eu percebo que há uma demanda também pra gente desconstruir esses padrões de gênero muito rígido, que eu acho que o grande desafio é esse com relação à violência também. É a gente sair – por isso que o estudo de masculinidade é importante também, né –  é a gente sair do padrão… hegemônico de gênero, que naturaliza a violência masculina por um lado, que naturaliza a exposição do corpo das meninas por outro lado, né, e que faz com que os padrões sejam muito duros.

Quer dizer, a ideia de bagunçar esses extremo é, talvez, uma ideia que possa ser produtiva pra gente pensar as questões de gênero de outro jeito.

JULIANA

Maria Luiza… por favor.

MARIA LUÍZA

Eu vou me apoiar na pergunta sobre trans, num trabalho de uma… orientanda de mestrado. Ela está entrevistando pessoas muito jovens, na faixa de 17, 18 anos, rapazes, que estão… querendo se tornar… eventualmente trans, travestis, não está muito claro. Bom, o que que é interessante em relação a isso?

Uma dessas personagens, que vem do Nordeste, de… de origem popular, mas chegou na universidade agora, está fazendo comunicação, ela… ela pertence a um grupo feminista. E esse grupo feminista a acolhe e ela escreve regularmente nesse blog e isso chama a atenção que nem todo o feminismo está cindido em relação a participação de mulheres trans. Esse é um primeiro exemplo.

E a segunda coisa que eu queria chamar atenção é que uma das formas novas de atuação do feminismo tem sido uma manifestação que ocorre uma vez ao ano, que é a marcha das vadias, a SlutWalk, que começou no Canadá e que era justamente em relação à recomendação dos policiais do tipo de roupa que você deveria usar. Então, era a ideia de que você não pode… não é pela roupa que você se torna uma vítima, né.

E esse movimento no Brasil, que acontece em várias cidades, acontece em São Paulo, no Rio de janeiro, em Recife, em vários lugares, é um movimento que congrega desde jovens feministas, pessoas trans, LGBT, em suma, é um formato de atuação no espaço público muito variado e que faz uma aliança no campo do que chama-se atenção pra essa diversidade de maneiras de estar no mundo variadas.

E eu acho que… que isso é muito importante chamar atenção porque, em geral, esses movimentos são pouco visiveis… eles são visibilizados quando acontece algum tipo de incidente, como aconteceu no Rio a invasão de uma igreja católica. Aí, eles são… têm uma visibilidade, mas em geral não têm. São pequenos, é verdade, não têm o efeito de uma Parada Gay com as que acontecem aqui em São Paulo, mas são manifestações que estão chamando atenção pra uma aliança entre o pessoal trans e feministas e pessoal gay numa marcha… em relação ao constrangimento policial sobre maneiras diversas de estar no mundo. Eu acho que isso é superimportante a gente salientar.

JULIANA

Bom, esse painel se encerra aqui. Gostaria de agradecer os painelistas pelas opiniões, pela participação e agradecer todos vocês também por estarem aqui com a gente. Obrigada!

MESTRE DE CERIMÔNIA

Bom, após um dia intenso de debates ricos e apresentações e falas sobre diferentes perspectivas e abordagens, nós encerramos o primeiro dia do I Seminário Internacional Cultura da Violência Contra as Mulheres. Agradecemos às palestrantes, painelistas e moderadoras pela contribuição, a todas e todos vocês pela presença e contamos com a presença de todos amanhã, no segundo e último dia desse seminário. Lembrando que o credenciamento começa às 9 e as atividades às 10 horas. Obrigada e boa noite!