16/09/2015

Ações de policiais apontam para grupo de extermínio

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Por Rogério Pagnan e Lucas Ferraz, da Folha de S. Paulo

16 de setembro de 2015
As impressionantes imagens de policiais militares de São Paulo matando suspeitos já rendidos só evidenciam a existência de grupos de extermínio na corporação que vêm agindo há anos, segundo o ouvidor da polícia, Julio Cesar Fernandes Neves.

“Não dá para acreditar que não exista um grupo organizado, chamado de extermínio ou não, formado por pessoas que têm interesse em que bandidos ou supostos bandidos sejam eliminados”, disse em entrevista à Folha.

O ouvidor se refere aos vídeos gravados no dia 7 deste mês e que vieram a público na semana passada. Neles, PMs aparecem matando dois suspeitos já rendidos e aparentemente desarmados no Butantã, bairro de classe média da zona oeste de SP.

Os dois eram suspeitos de roubar uma moto naquela região e, após perseguição, foram detidos. Mesmo assim, ambos foram mortos. Um deles chegou a ser jogado do telhado de uma casa antes de ser baleado. O outro foi morto numa calçada, após ter suas algemas retiradas.

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As mortes foram apresentadas pela PM como confronto, versão que consta no boletim de ocorrência –11 policiais foram presos por determinação da Justiça e outros quatro estão detidos sob o regime administrativo da PM.

Segundo o ouvidor, a existência desses grupos já era percebida pelo alto número de pessoas mortas em supostos confrontos, que, em 2014, deixaram 801 suspeitos mortos, somando os dados das polícias Civil e Militar.

Um dos termômetros do aumento da letalidade policial são os número divulgados pelo próprio governo.

Segundo eles, 358 pessoas foram mortas em intervenções policiais em todo o Estado no primeiro semestre de 2015, um recorde em dez anos.

Especialistas afirmam que a cultura de confronto fomenta a criação de grupos de extermínios e as chacinas.

“A letalidade policial é o grande problema do governo paulista. Para combater, só mudando a cultura de guerra da polícia”, diz Neves, que admite temer represálias de PMs suspeitos de assassinatos.

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Nomeado pelo governador e com mandato de dois anos, o ouvidor tem como atribuição recolher e apresentar denúncias de violações cometidas por policiais civis e militares, mas ele não tem competência para investigar. Seria uma espécie de porta-voz da população sobre o tema.

No início deste mês, ao tratar das investigações sobre a chacina que deixou 19 mortos na Grande SP (ainda sem solução e com 18 PMs sob suspeita), o secretário estadual da Segurança Pública, Alexandre de Moraes, negou a existência de um grupo de extermínio em São Paulo.

“Isso foge da realidade de uma sociedade que deveria se preocupar com a defesa do cidadão”, afirma o ouvidor.

A seguir, trechos de sua entrevista à Folha:

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Folha – A Polícia Militar está fora do controle?
Julio Cesar Fernandes Neves – O que acontece ocorre há algum tempo, só que, agora, às vistas de toda a nação. Esses PMs [flagrados matando dois suspeitos no Butantã] tiveram a infelicidade, para eles, e por felicidade do povo, de serem filmados. Essas imagens confirmam que essas coisas vinha ocorrendo e muitas instituições não queriam enxergar.

Quais instituições não queriam enxergar?
Várias ocorrências [contra policiais] no Fórum da Barra Funda são arquivadas. Mais do que isso: quando denunciados e vão a júri popular, muitas vezes o promotor pede a absolvição. A vítima, a pessoa que morre, é transformada em réu. Sempre houve algum argumento para o policial ser absolvido no tribunal do júri, poucos são condenados.

O sr. inclui o governo entre as instituições que não queriam enxergar? Por exemplo, PMs suspeitos de atuar na última chacina estão trabalhando normalmente. Não falta rigor?
Em outras épocas, todos os policiais que cometiam um delito eram imediatamente afastados. Por precaução e até para preservar a instituição. Isso parou e tem de ser feito. Qualquer acusado de homicídio deve ser afastado para se apurar o que ocorreu.

Há paralelo entre essas mortes e a chacina?
Vejo paralelo no motivo de o policial matar. O PM que mata está na realidade prendendo, fazendo a instrução criminal, dando uma sentença de morte e ele próprio executa a sentença. Por que ele faz isso? Na sociedade existe o sentimento de que bandido bom é bandido morto. O PM que está disposto a fazer justiça com as próprias mãos tem liberdade para matar.

Há um grupo de extermínio na polícia?
Já recebi denúncias de que existe e peço que seja investigado. Não dá para não acreditar que não exista um grupo organizado no Estado praticando essas execuções quando, no ano passado, tivemos 801 vítimas. É uma coisa anormal, que escapa do bom senso de qualquer cidadão comum. Neste ano já não são mais de 400 vítimas, só em confrontos?

O sr. teme sofrer represália por combater PMs assassinos?
Claro que todo mundo tem sentimento de medo. Procuro ter discernimento e não errar em relação aos policiais. Quando tenho a sensação de que estou falando a realidade, não estou cometendo injustiça ou induzindo ao erro, o temor desaparece. Mas óbvio que tenho medo de pessoas que possam interpretar de outra forma e achar que também elas possam fazer justiça e eu sofrer uma represália que não merecia.

A PM está preparada para mudanças?
Não, ninguém quer discutir. Mas mesmo não tendo disposição, ela será obrigada a fazer isso. A estrutura da PM segue a mesma desde a ditadura, ela ainda trabalha como a ideia de guerra, de um inimigo, só que hoje contra o pobre da periferia. Essa cultura tem que ser alterada, o regime militar continua.
Se ficar comprovado que superiores desses PMs [que mataram os suspeitos no Butantã] tinham conhecimento, foram omissos e concordaram com as ações, isso coloca a sobrevivência da PM em xeque. O governante também será obrigado a agir.

Raio-X: Julio Cesar Neves

Idade
61 anos
Formação
Graduado em direito pela Universidade Mackenzie, em 1982
Cargo
Ouvidor da Polícia de São Paulo desde 2013, escolhido para mandato de dois anos

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